11 dezembro 2016

TÍTULO: OUTROS DIAS

Domingo, 11 de dezembro de 2016.


Existem dias e existem outros dias. Cada um é bem diferente do outro. Quem tem um ser amado em casa com esse alemão, que aflige tantas pessoas, que é o Alzheimer, sabe do que estou falando. Não é ter um bebê em casa, é ter um bebê, um adolescente e um idoso, e todos ao mesmo tempo. Cada hora é um acontecimento diferente, uma ideia fixa, um estalo, um grito ou um beijo, uma birra, um novo desejo, ou melhor, o repetir. Muitas vezes não sei lidar com essas situações e outras, o faço na intuição. Hoje pode ser domingo, como também, poderia ser qualquer outro dia. Será que hoje será um dia normal?

Meu dia começa quando minha mãe se levanta de manhã. Independentemente de ter acordado antes e já preparado o café, arrumado a cama ou as calopsitas). Costumo dizer que acordo antes das galinhas e, algumas vezes, acordo meus pássaros. Pode ser dia de festa, finais de semana ou dias comuns. Não importa. O calendário é igual para todos os dias santos e feriados.

Então espero.

Diversas vezes vou ao seus quarto e confiro se está tudo bem. Se está molhada ou até mesmo, respirando. Tenho esse medo. Dela não acordar. Mas, isso é outro capítulo.

Então, ela se levanta.

Começa o meu dia.

Alimentar, dar banho, higiene bucal, passar creme, pomadas, vestir, calçar, pentear e leva-la para a sala, ligar a TV no seu programa preferido. Hoje parece que tudo vai dar certo.

Ah! E tem o dia do cocô. Banho tomado, limpinha e cheirosinha e, chega o cocô. Começa tudo outra vez.

Com isso pronto, começo a me preparar para executar as tarefas de casa ou externas. Quero lembrar, que só posso sair quando tem alguém em casa, e esse alguém, hoje é a Angela, que vem alguns dias da semana ficar com ela e me ajudar nas tarefas domésticas.

O almoço sou eu quem preparo e, todos os dias, almoçamos juntas. Ela ainda come sozinha, mas fico ao seu lado acompanhando. Pode levar uma hora ou menos, mas isso não tem problema. Esse momento é nosso. Após o almoço, vai descansar um pouquinho e, quando se levanta, dependendo da hora, podemos ir ao play ou ver um filme juntas.

Por volta das 16 horas,o reloginho do Alzheimer parece que desperta e começa a síndrome do entardecer. A agitação vem num estalo e fica muito alterada. Se debate, bate com as mãos na cabeça, começa a se levantar da cadeira e vai para o sofá, que está do lado, levanta de novo, senta outra vez, coloca as pernas sobre a cadeira de rodas, deita no sofá, levanta de novo e, quando resolve ir sozinha para a porta, não tem "SANTO" que a impeça. Procuro estar ao seu lado, pacientemente, até conseguir convence-la a retornar para a sua cadeira. Durante esse período, já foi medicada e o remédio demora de 30 a 45 minutos a fazer seu efeito. Distrai-la nessas horas, não funciona muito. Quando quer uma coisa, a adolescente aparece.

Após esse momento de agitação, fica sonolenta e deita um pouco antes do lanche da tarde. Por meia hora ou um pouco mais. Retorna mais tranquila e, apesar de fazer as perguntas angustiantes, que muitas vezes nem sei o que responder, aceita o lanche e a medicação das 18 horas. Pergunta sobre uma "menina", que deve ser eu quando criança. Pergunta pelos pais e os irmãos, todos falecidos, pergunta sobre o marido, que também não está mais entre nós. Fala sobre a minha irmã, que nunca existiu, pois nessas horas, eu sou a cunhada que tem uma irmã. O pior das perguntas é quando pergunta quando eu irei retornar da escola ou do trabalho. Não me reconhece. Vou distraindo-a com o que tenho em mãos e entro na sua fantasia.

Não tem o costume de jantar e, por isso, o lanche e reforçado.

A TV fica ligada e, apesar dela não se interessar muito pelos jornais da noite, acaba olhando de vez em quando até a hora dos remédios da noite. Acostumado a tomar tarja preta, não consegue dormir sem ele. O sono vem e vai deitar.

Mas, nem sempre é assim. O sono vem, deita e a luta para não dormir acontece. Chama-me diversas vezes. Em média de seis a dez vezes antes de se render. Todas as vezes vou ao seu quarto e fico com ela e procuro descobrir o que a está incomodando. As vezes não é nada, só quer conferir se eu vou dormir em casa. Essa casa que nunca é dela, a casa que não reconhece. Então dorme.
Não existe um horário certo, depende da sua agitação. As vezes as 20:30h, outras perto das 24:00h.

Fico acordada até ela pegar no sono. Amo filmes Hindi e fico assistindo até chegar o meu sono.

Então termina o meu dia.








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