29 junho 2016

TÍTULO: EU ODEIO ALZHEIMER.. 


Quero minha mãe de volta! 

A paciência de hoje está abaixo do nível de sobrevivência. Há dois dias que ela quer "ir pra casa" e só fala de uma "menina", que é vive com o irmão que é o tio dela. Ops! Será que sou eu essa menina? Hoje acordou as 5h30min da manhã pedindo pra voltar pra casa, se vou demorar muito para me arrumar. Nossa! Está me chamando de 10 em 10 minutos e tudo que digo se apaga. Tenho que rebobinar a fita. Meu Bom Deus! Eu odeio Alzheimer. Minha mãe está presa no próprio cérebro. Não reconhece a casa, não reconhece suas coisas que estão na casa. Concorda com tudo que fala e depois de 5 minutos, recomeça.
Tem dias que fico com medo de acordar e vê a realidade de casa. Não sei como ela irá se levantar. Na maioria das vezes, acorda em, toma seu café com pãozinho e depois vai para o banho. Procuro respeitar uma rotina para que ela fique acostumada a isso e não se esqueça dessas tarefas. Neste horário, interage com as calopsitas, que ficam soltas na área e vão pra cozinha buscar alimento. Também toma 4 comprimidos, sendo um para a depressão, dois para o Alzheimer e um para a glicose. A hora do banho é bem legal, brinco com ela e peço sempre a sua ajuda para se limpar. Isso a faz ter consciência da higiene e que o corpo precisa de banho todos os dias. A coloco no quarto e passo os cremes, a visto , penteio e, depois de toda essa rotina pós banho, a levo para a sala. É a hora da TV com seus programas preferidos. Geralmente, Missa ou outro programa religioso. Ao seu lado tem revistas, copo de água e o que necessitar. Aproveito esse momento de tranquilidade para arrumar os passarinhos, cuidar da louça do café, adiantar o almoço, arrumar as camas e outras tarefas domésticas. 
Tem dias que a manhã passa tranquilamente e quando se nota, está na hora do almoço. s vezes come outras não. Gosta de novidade. Cada dia um prato diferente. Gosta de saber o que irá comer no almoço e sempre pergunto o que ela gostaria. Geralmente diz que não sabe e que eu escolha. Então sugiro dois pratos e ela acaba escolhendo um deles. Descansa depois, por uma hora, na cama. É a "siesta".
Então a mudança ocorre.
Quando não consegue descansar eu já sei que o Alzheimer começou a falar. 
Quando descansa, quando se levanta, o Alzheimer pergunta algo.
Isso mesmo, o Alzheimer fala. E como fala. 
Pergunta pelo marido, meu pai que já faleceu há 12 anos.
Pergunta pelos pais dela ou pelos irmão, todos já falecidos.
Pela tal "menina" que nunca vem.
As vezes por minha irmã, sendo que sou filha única.
Ao cair da tarde, "quer ir para casa". Sabe que tenho carro e que está na garagem, e me pede para levá-la de carro pra casa. 
Inexplicável...
Nessas hora peço forças a Deus. Mas acho Ele demora em me atender e o Alzheimer continua falando.
Procuro entrar na sua história e acabo falando "mentiras terapêuticas". Ela realmente crê no que fala. 
Seguimos em frente. Ainda estou aprendendo e cometo erros. Muitos por sinal. 

Link do vídeo: https://youtu.be/1qPPIJom6OU e https://youtu.be/VH8tf_VtbFQ











28 junho 2016

TÍTULO: OS FINAIS DE SEMANA.

Como filha única, tomei a decisão de cuidar dela. Com o  passar dos meses, percebi que esse peso emocional estava desequilibrado e que tinha que fazer algo, senão estaria enlouquecendo junto. Ver a pessoa que tanto se ama, incapacitada, devido esta doença tão degradante, me trouxe sofrimento, raiva, ódio, impaciência, intolerância e uma vontade enorme de jogar tudo pro alto e sumir. Sozinha eu não poderia fazer tudo. Resolvi, no início de 2015, cuidar um pouco mais de mim, primeiro com a minha saúde e, procurei meus médicos para realizar consultas e exames, que tinha adiado por cinco anos. Neste período estava sofrendo de um dor no pé direito que acabei descobrindo se tratar de uma fascite plantar que tratei com acupunturara durante quatro meses. Devido o sobre peso, entrei numa dieta com acompanhamento e sem medicação. Não podia realizar caminhadas, devido a fascite e só depois disso é que comecei a me exercitar. Tudo isso deu resultados e hoje me sinto fisicamente melhor. Minha alma também precisou ser cuidada e os Florais de Bach estão ainda me ajudando.
Mas, ainda resisto em trazer alguém de fora para me ajudar com minha mãe nos finais de semana. Sei bem que esse momento chegará um dia e uma cuidadora profissional ou um Home Care precisarão ser contratados. Hoje a Angela me ajuda durante a semana, vindo três vezes, para cuidar da casa e ficar com ela quando tenho afazeres fora. Mas, o final de semana é todo meu.

Todo final de semana é longo e cansativo. São 48 horas direto com minha mãe a merce da doença, que fala. São raros os domingos que ela fica bem. Geralmente não quer almoçar e fica na cama por muito tempo, recusando-se a sair para um passeio ou outra atividade. Essa tensão e esse cansaço pode-se sentir no ar e corta-lo com uma faca. Fico, geralmente na sala com ela, procurando distraí-la com revistas ou TV. Rádio ou música já não a distraem. Música, nem pensar. Ela acaba reclamando do barulho.  Quando vai para o quarto descansar, deixo o som da TV bem baixinho, para não incomodar e poder também escutá-la se me chamar ou tentar se levantar. Leio, gosto muito de ler e devoro em média um livro por mês, as vezes dois se forem menores do que 300 páginas.

Vou  me programar para sair com elas aos sábados ou domingo. São muitas horas trancada em casa e sair faz bem. A distrai e, apesar de toda a mão de obra com a cadeira de rodas, vale a pena ver o sorriso estampado em seu rosto.

O telefone já não toca mais. Evito ligar para não incomodar minhas amigas num dia de domingo. E elas não telefonam para não incomodar minha mãe. Fica tudo muito solitário. Não se tem ninguém para conversar sobre outros assuntos que não seja o Alzheimer. A necessidade de se ouvir uma voz é grande, virtualmente isso não se sustenta e, logicamente, minha mãe já não consegue manter um diálogo saudável e completo. Fala com dificuldades e muitas das coisas ditas não são compreendidas. Então sinto falta. Sinto muito falta mesmo.

Angela e minha mãe

sonequinha no sofá






TÍTULO: "VAMOS PRA CASA" OU "ME LEVA PRA CASA".

Quantas vezes já ouvi esse pedido. Mas que casa? Se nós moramos aqui. Como lidar com isso? Não sei. Parece um ciclo interminável. Tem a fase do querer dormir direto, ficando toda molinha, com risco de queda. A outra em que fica alerta o tempo todo e não consegue dormir, que andar pela casa, verificar portas e janelas, quer sair de qualquer maneira. Tem a fase do comer muito, bater um "pratão" e pedir sobremesas e a outra que não está com fome e fica o dia todo a base de suco, iogurte, um chá ou café. Tem a fase da menina". Cadê a menina? Que menina? Que raios de menina é essa? Será que sou eu quando criança? Alguém que ela conheceu quando era criança? Nossa! Tem a fase em que ela perdeu algo, por exemplo um vestido que nunca vi e que foi enterrado no quintal..... ela mesma enterrou. E que quer por que quer ir no quintal busca-lo. Moramos em apartamento, então isso deve ser coisa da época em que ela vivia na Espanha, uns 50 anos atrás. Tem a fase da pergunta, "onde está seu pai?", "Cadê meus pais?", "Você é casada?" "Tem filhos"? E a pior de todas: "Cadê minha filha?". Teve um sábado muito complicado, que ela quis ir a rua para me procurar. Acabei levando-a. na esperança de que acabasse se esquecendo durante o passeio. Demos a volta no quarteirão. Quando voltamos pra casa, ela não perguntou mais por mim.

Vivemos diariamente com uma novidade diferente dentro desde ciclo. Nunca sei como ela irá acordar. Geralmente, se levanta bem. O problema é a tardinha. O chamado Síndrome do Por do Sol. Comecei a gravar vídeos para mostrar ao médico o que estava acontecendo. Esses vídeos acabei colocando no YouTube, num canal que tinha criado para apenas guardar os vídeos familiares, muitos ainda analógicos. Aos poucos, o YouTube acabou virando uma ferramenta de contato com outros inscritos e se tornou o que é hoje. "Juana LLabres, Minha mãe tem Alzheimer".

Link do vídeo: https://youtu.be/D5kWMVMaXIc



Devido a artrose cronica, minha mãe tem muitas dificuldades para andar, mas ainda se levanta e, com ajuda, vai ao banheiro, senta na cama, para ser colocada e, durante todo o dia, é deslocada com a ajuda de uma cadeiras de rodas. O pior é quando ela teima em se levantar para ir até a porta, porque quer voltar pra casa. Pede muito isso, nos últimos meses. A porta tem trinco, que ela não alcança, e isso tem me ajudado muito. Nessas horas não adianta tentar impedir, só fico perto ajudando para ela não vir a cair. Quando não consegue abrir a porta, aceita ajuda para voltar para a sua cadeira de rodas e pede o telefone. Uma vez ligou para a "síndica", uma amiga se fez passar por ela, para reclamar que eu a estava prendendo dentro de casa, que não a alimentava fazia três dias e que nem banho estava dando. Outra vez foi para o irmão, que já é falecido faz uns 20 anos. Outra amiga, engrossou a voz e se passou por ele. Esse mesmo irmão já falou com ela umas três vezes, cada oportunidade, alguém me ajudou. O interessante é que se falaram em português nas duas últimas vezes, já que, segundo ela, seu irmão veio morar no Rio de Janeiro. E a polícia? Já quis ligar também. Essa até que foi uma conversa interessante. Pediu para eles virem me prender. Os primeiros vídeos gravados são desta época. Temos o vídeo numero 10 que já ultrapassou a marcar dos 50 mil visualizações (2019) e, ainda recebo muitos comentários, alguns elogiando e outras bem criticas. Mas de nada adianta explicar que aprendi no ensaio e erro.

Abrir e fechar gavetas, mexendo em suas coisas, descobrindo outras e rindo quando reconhece alguma saia ou blusa. Tira tudo das gavetas e deixa sob a cama, então, pede a mala. Pra quê, mãe? "Ora, vou levar tudo, é tudo meu, não é?" Nessas horas, ela quer voltar para a sua terrinha.

Ela sempre foi muito caseira, então sair de casa só nos momentos mais tranquilos, mas quando volta, parece que fica mais desorientada. Não sei se é o movimento da rua, ou outra coisa. Fica agitada, me chamando de 15 em 15 minutos. Quer ir pra sala e depois voltar pro quarto. E isso segue por algumas horas.Uma rotina que só acaba quando o cansaço vence. O dela.

Quando não reconhece a casa, tenho que levá-la por todos os cômodos, mostrando onde fica o banheiro, a cozinha, os quartos, sua nova cama e a minha, onde coloquei suas coisas, a TV e suas revisas, etc.

Depois esse ciclo se fecha e começa tudo outra vez.

Ontem esse ciclo recomeçou. Foram quatro horas de "Vamos pra casa". Imagina ter que convence-la de que seria bom que ela ficasse comigo e dormisse aqui. É de tirar qualquer um do sério. Durante quatro horas ela ficou se levantando da cadeira de rodas indo até a porta, que estava trancada com chave e trinco, sendo muito difícil dela abrir. Durante a tarde de ontem, foi um vai e vem e, que num determinado momento, levantou-se e foi até a varanda, também trancada, ameaçando-se se jogar. A sensação de ter que repetir nossa conversa, que ela já tinha esquecido, é de total incapacidade, de nulidade, frustração, de terror e de receio de se perder a paciência. Amo minha mão, e que convive comigo sabe bem disso, mas nesses momentos não há sangue de barata que aguente ver uma pessoa querer se jogar de uma janela sem se fazer nada. Se é uma ameaça ou não, não arrisco. Vou busca-la e, mais uma vez, a coloco em sua cadeira e seguro sua mão. Nova conversa. Ela acabou desistindo ou esquecendo e na hora de dormir, foi pra cama, cansada, e descansou a noite toda, Amanhã será um novo dia.


26 junho 2016

TÍTULO: UM RESUMO BEM PEQUENINO.

Minha mãe se chama Apolonia Mayol, chegou no Brasil em 1959. Veio morar com o marido, meu pai, Miguel Llabres, que tinha partido da Espanha em 1958 para se "fazer" no novo mundo 9 meses antes. Moraram em Botafogo, aos pés do Cristo, numa casa de cômodos, temporariamente. Essa casa era administrada por uma Espanhola que, alugou um quarto para meu pai. Sapateiro de profissão, montou uma portinha de consertos de calçados. A alta sociedade gostava do seu atendimento e do diferencial que era oferecido, sapatos combinando com os botões da roupa e bolsa forrada com o mesmo tecido. Com o tempo, alugaram  uma loja de esquina e um apartamento. Nasci nesse conjugado na Glória em 1961.







Em 1964, fui conhecer minha família, na Espanha, com minha mãe. Viagem de navio. Foram 17 dias de viagem, com parada obrigatória em Marrocos, segundo minha mãe, para reabastecer. Não me lembro de nada e poucas fotos existem. Pena que naquela época, a facilidade do Smartphone ainda não existia. Ficamos seis meses e voltei falando o idioma da região, o Malhorquino. Esqueci todo o português, que sempre foi um problema pra mim, na escola.

Mãe gravida de mim.
Eu e meu primo Miguel, em Mallorca.


Meus avós vindo para o Brasil.

Meus avôs maternos chegaram dois anos depois. Isso veio a dar uma força enorme para o meu pai que precisava de muita ajuda para montar sua fábrica de calçados. Como minha mãe, minha avó Catalina, também era pespontadeira de calçados e, ambas o ajudavam em casa. Meu avô ficava na recepção na fábrica. Eu mesma comecei a estagiar com 14 anos no escritório. saímos da Zona Sul e fomos para a Zona Norte quando a fábrica de calçados cresceu e não havia mais espaço por lá.
Estudei em Escola Municipal, que se tornou Estadual e, o antigo ginásio, numa Escola particular administrada por freiras. Me formei no Magistrado.

Por quê esse resumo? Para mostrar que minha mãe sempre foi uma pessoa forte e presente. Que as lutas que teve que enfrentar num país novo, aprender um novo idioma, longe da família, não foram fáceis. Ela teve muita coragem. Não sei se eu faria o mesmo.
Meus pais sempre foram muitos unidos. A sua morte foi um choque. A depressão que a culminou foi devastadora e a necessidade de estar junto a ela, para evitar que isso a matasse, foi simples. Simples e complicada ao mesmo tempo.
Por esse motivo cuido dela desde o final de 2003.
Quando chegou o Alzheimer, ele veio para me derrubar. Foi um choque. Mas isso vocês já sabem.







TITULO: DIA DAS BRUXAS.


Mamãe perdeu a prótese de baixo. Fiquei muito chateada. Como pode uma pessoa perder algo tão necessário? Procuramos essa "maledeta" dentadura que criou assas e sumiu. Reviramos a casa toda, eu e a Tatiana, que estava substituindo nossa anja Angela, num período de repouso pós cirúrgico. Mamãe sentada em sua poltrona na sala repetindo que não sabia onde estava a dentadura. Foram 3 dias de buscas. Onde vocês podem imaginar, olhamos mais de quatro vezes. Onde não se pode imaginar, mais de cinco. Abre gaveta, olha de baixo da cama, mexe nas revistas, no baú, no banheiro, atrás dos móveis, olha no lixo, puxa aqui, empurra lá. Com a dificuldade dela andar, não poderia estar muito longe dela. Mas, a onde? Não a encontramos. Não teve jeito. A leve ao dentista para fazer nova prótese.
Estávamos no ano de 2014, início de outubro.
O consultório dentário fica no mesmo bairro, no mesmo quarteirão, numa rua paralela. Por ser uma via movimentada, não tem como estacionar. O jeito é leva-la na cadeira de rodas, desviando dos buracos das calçadas.
Na última consulta, na prova final da prótese, infelizmente a roda dianteira da cadeira de rodas, ficou presa num desses buracos, em frente a uma padaria, bem na esquina da avenida principal, pertinho do consultório. Graças ao Bom Deus, minha mãe estava com o cinto de segurança e não caiu quando a cabeira quase tombou, pois a roda, ao ficar presa, quebrou.
Pedi ajuda a um funcionário deste estabelecimento, que estava no balcão conversando um um cliente. Ele não foi feliz ao dizer que a culpa era minha por levar minha mãe numa cadeira de rodas pela rua e que os pneus estavam vazios. O quê? O sangue espanhol de minhas veias ferveram e, como ainda estava segurando a cadeira para não tombar com o peso, ele acabou me ajudando, após vários pedidos. Ao me afastar, percebi que esse rapaz tinha retornado pata o balcão e, junto com o cliente, ficaram rindo. Percebi isso como uma ofensa e, sem deixar minha mãe, em sua cadeira de três rodas, perdi a cabeça e falei coisas que nem mesmo Deus acreditaria. O mesmo nem se dignou a me ajudar e ainda por cima estava rindo! Ao meu socorro, a caixa da padaria, veio e, com uma força descomunal, conseguimos guiar a cadeira até o consultório. Nem preciso falar que mamãe estava totalmente apavorada e, mesmo assim, fui em busca de alguém que pudesse me ajudar no retorno a casa. Seria impossível voltar daquela maneira. Chamei vários táxis que não pararam. Não são todos que aceitam levar uma cadeira de rodas. Dá trabalho. Acabei chegando a esquina, com dificuldades, a mesma esquina onde aconteceu o acidente. Pedi então pra falar com o responsável. Não vou citar nomes. Sou cliente dele há anos e ele me conhece, por ter sido também nosso vizinho e, tempos atrás, nosso inquilino. Ele já sabia o que tinha acontecido e defendeu o funcionário alegando que ele estava rindo de outra coisa. O mesmo já tinha se desculpado e esse assunto já estava enterrado. Eu só queria uma carona até em casa, pois seriam impossível levá-la daquela maneira. Após a recusa e a minha ameaça de chamar a polícia, ele acabou nos levando. Não antes de dizer que a responsabilidade da calçada quebrada era da Prefeitura e se eu desejasse colocar na justiça, que acionasse a Prefeitura. Sabe de nada inocente. para quem desconhece o assunto, a calçada é de responsabilidade do proprietário do imóvel e, cabe a Prefeitura fiscalizar.
A bruxa estava solta e o dia 31 de outubro ficou marcado.
No dia seguinte levei a cadeira de rodas para o conserto e, por R$ 420,00 reais, ela retornou como nova. Afinal de contas, é uma Jaguaribe. A metade, ele pagou, contrariado. Mas pagou, após um bom tempo me fazendo esperar, pois estava muito ocupado com o seu estabelecimento.
A dentadura custou caro.
Nunca mais a perdeu.
Pelo menos, até hoje. Até porque, não a usa mais e ela está bem guardada.







TÍTULO: CONTAR OU NÃO CONTAR.

Eu fiz uma opção. Não contar que ela está com Alzheimer.

Escondi essa situação por mais de um ano. Poucos sabiam. Ninguém do prédio em que vivemos, sabiam. Nem a família que mora na Espanha. Guardei tudo praticamente sozinha. Poucos amigos tinham esse conhecimento. Destes poucos amigos, alguns sumiram, outros só contato virtual pelas páginas de relacionamento, umas duas amigas permaneceram.. Ninguém vinha visitá-la. Isso começou a me incomodar e me vi cobrando delas uma coisa que também faria igual. Ninguém tem tempo para os problemas dos outros. Ninguém quer ficar escutando sobre a doença dos outros. Ninguém quer se aproximar do Alzheimer. É constrangedor a pessoa não a reconhecer. Não há uma conversa clara. Perguntas são feitas e não se sabe como responde-las. Há o constrangimento. Há a anulação. Quando se percebe, afastamos o doente e nem contato visual é feito. Alzheimer assusta.
Encontrava vizinhos pelas ruas que perguntava pela mãe eu respondia que estava tudo bem. Não, não estava. Ninguém perde um tempinho para escutar a resposta. A vida é muito corrida e todos nós temos compromissos sérios. Todos nós temos problemas e, com certeza, são maiores do que a dos outros.
Essa situação começou a me fazer mal.
Pedi ajuda.
Recebi como resposta, uma mensagem, ou duas dizendo para ter forças, orar, e ter fé.
Eu queria um abraço.
Fui buscar esse abraço em minha mãe.
Ela não sabia o por quê, mas demonstrou que estaria sempre disposta a dar e receber um abraço.

Fiquei muito tempo com uma raiva tão intensa que voltei a engordar. Tinha que saciar essa carência de alguma maneira.

Eu queria sair, ir ao cinema, ficar de papo pro ar com meus amigos, quem sabe, encontrar alguém interessante. Como assim? Quem, na sua lucidez irá se interessar em dividir o pouco tempo que tem com alguém que cuida de outra pessoa? Não acredito que exista. O meu tempo não é agora. Agora é o tempo de minha mãe. Quem quiser pode se chegar, seja uma amiga, um companheiro, seja um vizinho, seja lá quem for, minha casa estará aberta.

Foi então que tive um estalo.

Se pessoas que não vivem um Alzheimer em casa não conseguem entender o que é isso, deve existir outras pessoas que vivem a mesma situação. Como encontra-la?
Encontrei 7.670 pessoas numa página de relacionamento.

Então, eu não estou sozinha.

Ao postar minha primeira mensagem ao grupo, foi recebida com tanto carinho e por tantos que o abraço que tanto queria, veio em forma virtual. Hoje já consigo escrever dando apoio a aqueles que pedem socorro. Escrever. Por quê não? Não ter vergonha e enfrentar esse medo, de peito aberto. Aproveitar esses momentos de lucidez e estar com ela. Dar e receber um carinho, filmar, fotografar, conversar, beijar, acarinhar e, acima de tudo, entende-la. Então é assim que a gente aceita a doença?

Antes disso, resolvi contar para a família que vive na Espanha. Foi no dia das mães 2016. Postei uma foto dela declarando o meu amor e informando sobre o Alzheimer.

Escrevi
"Amanhã é o dia oficial. Sei que minha mãe nem vai saber e eu terei que lembra-la várias vezes neste domingo. Talvez ela nem saiba quem sou eu. Mas receberá meu carinho e perguntará por mim. Dormirá a maior parte do dia e a noite chamará por meu pai. Pedirá que a leve pra casa e irá separar umas coisinhas pra levar. Irá esquecer que passamos mais um dia juntas e reclamará que fiquei na rua o dia todo. Minha mãe tem Alzheimer. E cada dia é um dia diferente tentando suprir suas necessidades. Mesmo que ela não se lembre eu estarei ao seu lado, lembrando por ela. Escrever isso me foi difícil, pois há um ano e meio que recebi esse diagnóstico. Ainda dói. Mas resolvi dividir. Quem sabe fica mais fácil. Amanhã também será o meu dia, pois agora sou mãe de minha mãe."

Como esperado, a reação foi de surpresa. Ninguém espera isso dentro da família, só nas outras famílias. Recebi lindas palavras de apoio e comentários motivadores. Hoje, ao reler essas mensagens, ainda me vem lágrimas,  

Depois veio o silêncio.



25 junho 2016

TÍTULO: MÃE DE MINHA MÃE


Hoje sou sua mãe
Te cuido com carinho
Alento o teu sono
Construo pontes pelo caminho.

Sou seu sim e seu não.
Seu apoio e seu imã.
Num abraço apertado
escondo minha vida.

Hoje sou sua mãe
Não poderia ser diferente.
Só os escolhidos o fazem
enfrentando o medo.

Sou aquela que sorri
quando você se perde.
Sou teu chão
sua fortaleza.

Hoje sou sua mãe.
Tão simples assim.
Não há outra opção
que me faça mais feliz.

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Não há amor maior que una esse sentimento entre mãe e filha. Já me perguntaram, diversas vezes, por que não a coloco numa casa de repouso ou ILPI.  Simples. Porque quero ficar com ela o máximo de tempo que puder, para que ela possa se lembrar deste sentimento que é o amor que nos une. Sei que um dia ela não irá me reconhecer, mas saberá que a amo, que tem alguém perto dela, com ela. Esse sentimento pode ser egoísta, eu sei. A quero ao meu lado. O dia que não puder mais cuidar dela, talvez eu pense nisso. Ainda não sei. Mas, uma certeza é certa, não é agora.
































TÍTULO: SIMPLES ASSIM.

Abri mão de minha vida. Não tenho vida social, Sou divorciada e não tive filhos. Não sei como seira se fosse casada com um, dois ou mais filhos para cuidar, além da minha mãe. Abri mão de muitas coisas e não me arrependo. Quando meu pai veio a falecer em outubro de 2003, eu morava na minha própria casa, sozinha. Tinha terminado minha segunda pós e trabalhava na área de Recursos Humanos. Sou Psicologa. Ele faleceu após um ataque cardíaco. Foram 3 dias de internação no CTI do Hospital de Laranjeiras. Fomos visita-lo no horário permitido, das 12 h as 13 h. Nesta época, minha mãe já estava com artrose e andava com o auxílio de uma bengala. Foram dias horríveis, de incertezas. Os médicos não davam muita esperanças e, quase nada falavam. Eu não sabia como agir. Minha mãe se encontrava abatida e ficava ao lado dele todo o tempo que lhe era permitido. Na véspera de sua morte, meu pai reagiu ao ouvir minha voz. O médico disse que era um espasmo muscular nas pálpebras. Quero acreditar que não foi isso que aconteceu, ele reagiu e tentou se comunicar comunicar. Tanto que o coração disparou e as máquinas começaram a apitar e meu pai também mexeu a boca. Houve um corre corre de enfermeiros e médicos, que me afastaram do lado dele e deram mais uma dose de tranquilizantes. Estava em coma induzido. Foi neste momento que peguei em sua mão e prometi que cuidaria de minha mãe. Ele poderia partir sem nenhuma dúvida quanto a isso. O liberei. No dia seguinte ele se foi, as 9h da manhã, numa manhã de sábado.
Uma semana antes, meu pai, que sempre via tomar o café da manhã em minha casa, pediu para que eu sentasse com ele na sala. Queria me pedir uma coisa. Era sábado, perto das 7 horas da manhã. Me lembro como se fosse hoje. Ele, com uma xícara de café na mão, olhando-me com seus olhos azuis, pediu que eu prometesse que, se algo ocorresse com ele e, fosse necessário uma internação, que não permitisse que fosse entubado, ligado a máquinas.
Lógico que retruquei que tudo aquilo era um absurdo. Que nada iria acontecer com ele tão cedo. Mas, após uma longa insistência, prometi. Como se promete algo contra a vida? Também me pediu para cuidar da minha mãe na sua falta. Prometido. Ele foi fazer sua caminhada diária e fiquei observando seu caminhar. Me pareceu tão cansado, abatido, curvado, lento. Mal imaginava que poucos dias depois ele teria um enfarto.
Então, o que quero dizer é que a opção de cuidar de minha mãe veio antes mesmo da doença se manifestar. Não foi fácil. Foi feito. Pedi demissão do meu trabalho. Aluguei meu apartamento, vendi muito dos móveis, doei outros e me mudei para o apartamento de minha mãe, que fica no mesmo prédio. Voltei para o meu antigo quarto, o de solteira, que ela mantinha igual.
Minha mãe estava com depressão e com pensamentos fortes de suicídio. Não dava pra deixa-la muito tempo sozinha. Assumi os negócios de meu pai e acabei deixando meus trabalhos como autônoma de lado.
Simples assim.
Até que no final de 2010 nossas vidas mudaram para sempre. De novo.















TÍTULO: SENTIMENTOS.

Recordo-me que, ao retornar do hospital, da segunda internação, ela estava mais confusa do que antes. Ficamos praticamente 4 meses se ter uma noite boa de sono. Eu estava com olheiras bem profundas, tinha emagrecido bem e andava feito zumbi pela casa. É difícil dizer que sentia muita raiva. Odiava ver minha mãe daquele jeito. Briguei com Deus por ter me devolvido a mamãe pela metade. Não era isso que eu tinha pedido a Ele. Como se a Vontade Dele não fosse mais importante que a minha. Deixei de ir as Missas porque não tinha como quem deixa-la. Passei a comungar em casa, junto com mamãe, pois a Ministra da Eucaristia, Dna Maria José, trazia, já um bom tempo para minha mãe.  Dentro de sua confusão, ela me chamava durante a noite toda, se virava na cama, gritava, dizia coisas incompreensíveis e, no dia seguinte não se lembrava de nada.Tinha noites que eu ia ao seu quarto umas 30 vezes ou mais. Sempre me recusei a dormir no mesmo quarto com ela e cheguei a repensar no assunto, mas não queria formar este hábito, que seria difícil depois de cortar. Não sei o que se passava pela sua cabeça mas, ela se jogava no chão, da cama ao chão.Quedas essas, que na sua maioria não causavam danos, outros, acabavam machucando a cabeça, com pequenos cortes e corridas a emergência de um hospital. Acabei mudando a posição da cama, junto a parede e com um colchonete ao seu lado, amortecendo essas quedas.

Teve uma vez, que ela se jogou da poltrona reclinável que fica na sala. Eu estava na cozinha preparando algo e pum! Mamãe no chão, ensaguentada e com a cabeça machucada. Mais uma vez corri para a emergência. Os médicos de lá já me olhavam com estranheza. Faziam um monte de perguntas, afinal de contas, já tinha acontecido isso umas cinco vezes com aquela visita. Nossa! Será que eles estão pensando que eu estou machucando minha mãe? Que absurdo. Nunca encostei nela e nem o faria. Ela é a minha mãe. Podia sentir raiva e gritar com ela, pois os meus sentimentos estavam todos misturados e me encontrava no meu limite. Quando ela se machucava o meu desespero era tanto que acabava perdendo a cabeça e gritava com ela, perguntava por quê ela tinha veio aquilo, que dava trabalho ia a um hospital ou coisas parecidas. mas não deixava de levá-la e nem de ama-la. Teve uma época que desejei fugir e largar tudo. Isso não era vida. Mas não fiz. Nunca o faria.
Consegui com um marceneiro e a ajuda de uma vizinha, a madeira que acabaria colocando na cama da mamãe,  para evitar essas quedas. É móvel, de encache, fácil de colocar e prático para tirar. Um de cada lado. Como a cama dela estava na parede, colocava do lado e nos pés. Mesmo assim, numa madrugada, ela conseguiu tirar e, de novo, ao chão. Foi a pior das piores quedas. Nunca vi tanto sangue. Já tinha comprado a cadeira de rodas nova e a levei ao hospital. Outra emergência. Não queria ver os olhares dos médicos me cobrando uma situação que só existia em suas cabeças. Estava ficando paranoica. As luzes dos outros carros me cegavam e no frio das 3h da manhã, quase consegui bater com o carro, ao desviar de uma obra da prefeitura mal sinalizado. Fomos rapidamente atendidas. Enquanto era feito o curativo e uma nova tomografia, eu aguardava na recepção. Rezava para que nada de mal a tivesse acontecido. Chorava.  Negociava com Deus, que estaria aceitando essa metade de mãe que ele tinha me devolvido. Tudo bem, melhor a metade do que nada. Fiz as passes com ele.
A cabeça dela foi enfaixada igualzinho aqueles filmes de múmia. Já eram 6 da manhã e voltamos pra casa. Hora de limpar tudo, dar de comer e deixa-la dormir um pouco. Desde dia em diante, ela não caiu mais da cama.





TÍTULO: CONFUSÕES A PARTE.

Enquanto escrevo esse blog, mamãe dá um grito no quarto e, assustada, corro. Ela me olha bem nos olhos e diz, desesperadamente com as mãos na cabeça. "Meus pais estão mortos"?  Fiquei conversando com ela, procurando acalma-la. Então, resolvemos dar uma volta pelo bairro. Ultimamente isso tem sido comum essas confusões. Tem perguntado muito pela menina. Que menina, pergunto de volta e, acabo descobrindo que essa menina sou eu, que ela tem uns 8 anos de idade e vive com o pai, ou seja, seu esposo, meu pai.
Muitas das vezes não sei o que fazer ou responder. Se entro nas fantasias dela ou se falo a verdade. Então escolho a terceira opção, mudo de assunto. As vezes dá certo e ela acaba esquecendo, outras não. Insiste em perguntar. Fica olhando o vazio e me olha meio de lado, colocando as mão juntinhas e me dizendo "por favor" ou "por quê"? Tento entender, mas essa doença fala e como fala. Muitas das vezes nem entendo o que diz. Tento adivinhar por ensaio e erro. É uma mistura do dialeto com português e outras línguas não faladas. Então, ela se aborrece e desiste. Insisto. E ficamos nessa conversa indecifrável.

Quem vive com alguém que tem Alzheimer sabe que a doença se manifesta mais ao entardecer. Com minha mãe não é diferente. Ela acorda bem. Fala bem. Come sozinha o seu café da manhã. Dou o seu banho. Fica na sala com a TV ligada no seu programa religioso preferido ou na missa. Pega uma revista ou outra para olhar as figuras. Já não consegue ler, escrever e assinar seu próprio nome. Fixa o olhar perdido pela janela com os seus pensamentos. Almoça e depois vai dormir um pouquinho. Muitas das vezes, ao se levantar, os transtornos ficam mais evidentes. A noite é pior. Não consegue se expressar, formar frases e as palavras saem com muita dificuldade, quando saem. Procuro deixa-la se alimentar sozinha, mesmo se ensujando, parece uma criança com babador. Fico ao seu lado e todos os seus utensílios são de plástico. Não mexe mais com faca. Só garfo e, na maioria das vezes, colher. No café da manhã, leva uma hora para se alimentar. Come bem devagar, sem pressa, enquanto eu cuido dos nossos passarinhos. O mesmo acontece com o almoço. Aproveito para conversar com ela. Muitas das vezes falo sozinha e ela apenas fica com o olhar vago. Nem sei me escuta.
Não sei onde seu pensamento vai ou se existe algum. Bem que gostaria de entender, mas ela não sabe me dizer. Alias, perguntas são difíceis de compreender. Procuro dar sempre duas opções para escolha dela. Assim fica mais fácil. Perguntas com respostas monossilábicas não a estressam. Se a conversa fica muito cansativa, sai concordando com tudo pra acabar logo. Na maioria das vezes, nem sabe do que foi que concordou. O silêncio, o isolamento são suas melhores companhias. Prefere assim. Me quer por perto a maioria do tempo, mas quieta. Basta ela me ver pertinho que se sente segura. Não ouve mais música, cd's, não assiste filmes (quando faz, não vê o final), são muito complexos. Gostava de ver desenhos, agora nem isso.
Procuro dizer a mim mesma que a doença fala. Não é a minha mãe. Então, não fique chateada, ofendida, magoada, com raiva e com medo. É a doença que está se manifestando.







Uma maneira que encontrei para distrai-la e manter o cognitivo ativo foi ofertar revistas que ela gostasse de manusear. Revistas de viagens por exemplo. Percebi que ela marcava algumas páginas e sempre voltava a elas. Percebi também que ela olhava algumas imagens de flores, lugares, navios, animais e outras tantas. Ofereci uma tesoura sem ponta, cola, papel A4, algumas pastas coloridas e sugeri que ela recortasse essas figuras e montasse álbuns. Pedi a amigos que me desses suas revistas velha para ela recortar. Assim foi feito. Ela guardava esses recortes em envelopes, etiquetados, bem organizados por ela. Passava toda a manhã fazendo isso. Parava apenas na hora da oração. Tenho várias pastas que foram montadas nesse período.



24 junho 2016

TÍTULO: O TEMPO É DIFERENTE.

Nesse primeiro ano pós cirúrgico, procurei realizar vários passeios com ela, usando a cadeira de rodas, pois ainda não estava firme para usar a muleta na rua. Fato que nunca aconteceu. Nunca mais andou na rua de muletas. Íamos no shopping nos sábados ou no Jardim Zoológico. A Vera já não trabalhava mais conosco mas, tinha montado uma barraquinha na Quinta da Boa Vista e, aproveitávamos para visita-la. Mamãe adorava ir no Zoo, tiramos muitas fotos. Andávamos pela Quinta, fomos no Museu Nacional e fazíamos um lanche por lá. Voltávamos cansadas e ela ia direto pra cama tirar uma soneca. Tudo parecia estar se normalizando.
Em Maio fomos visitar minha madrinha em Laranjeiras e as duas amigas mataram as saudades.  Pelo menos duas a três vezes na semana, íamos no play do prédio no fim da tarde, para tomar um solzinho e outras vezes, andávamos na rua do bairro. Esses passeios começaram a diminuir porque era mal chegar no lugar que ela já queria voltar. As calçadas também não ajudam muito um cadeirante.
Mamãe começou a perder a noção do tempo, já não sabia que dia da semana estávamos ou o mês. Tinha pouca noção das horas, apesar do relógio ficar sempre perto dela. Cinco minutos pareciam duas horas e quatro horas eram dez minutos. Me chamava sem controle, só para saber se eu estava em casa ou por algum outro motivo que não lembrava. Hoje vejo isso claramente, mas na época não imaginava que poderia ser o princípio do Alzheimer.
Sempre gostou de ver revistas de viagens e ela ainda tinha uma assinatura mensal (10 anos de assinatura). Comecei a buscar revistas para ela olhar e recortar as figuras mais chamativas pra ela. Montamos vários álbuns com esses recortes. Outros, ela guardava por tema em envelopes separados. Pássaros, árvores, vistas com muito verde, navios (especialmente), crianças, bichinhos (como cães e gatos), plantas, moveis, casas e carros, etc. Passava horas recortando, separando e classificando. Tirava um tempo para ver seus programas na TV e rezar o terço. Foi a maneira que encontrei dela ter um hobby.
Vaidosa, a manicure vinha aos sábados para arrumar suas unhas. Gostava de se maquiar e penteava os cabelos cacheados sempre que dava vontade. Não queria que ninguém a visse sem os brincos ou despenteada. No princípio ficava chateada porque eu dava o seu banho e, tentava ajudar, na hora de se vestir. Mas, ela já apresentava dificuldades por estar sentada.
Mas, tirando esses encalços, o ano de 2011 foi bom e, chegou as festas de final de ano. Desta vez teve árvore montada com antecedência, almoço de Natal (não fazemos ceia porque ela dorme  cedo), castanhas e rabanada, presentes e muita alegria. Minha mãe estava comigo.

Dia 23 de junho de 2016. Minha mãe com a doença há 3 anos, com dificuldades de se expressar. Nesse vídeo, pede um lanche diferente porque está com fome. O detalhe é que já tinha lanchado antes e não se lembrava.

Link do vídeo: https://youtu.be/7G6UtJoqCUE e https://youtu.be/AhxldghEBpo








23 junho 2016

TÍTULO: OS PRIMEIROS SINAIS.


Falar com a Tv, nos dias de hoje, é como falar sozinho. Quem já não o fez? Quantas vezes nossos pais ou companheiros, reclamam com o juiz de futebol ou, nas novelas, reclamamos com os personagens? Tem ainda aqueles que nos filmes de terror, gritam com a vítima para que saiam daquele lugar. Pois bem, minha mãe falava com a TV e, pensava que lhe respondiam. Conversas que a animavam e outras, a deixavam muito chateadas, a ponto de chorar. Até aí tudo bem. Se isso não fosse, além de estranho, constante.
Depois começou a ter dificuldades para usar o celular. Esquecia-se de como clicar na tecla rápida, onde estava gravado o meu numero ou de desligar o celular. Nada tão complicado, mas anda esperado, pois a tecnologia não nasceu com ela e muitas das pessoas possuem esta dificuldade em operar celulares ou computadores.
Um dos problemas que surgiram foi a parte monetária, ela começou a demonstrar dificuldades em manusear o dinheiro, a fazer contas, dar troco, reconhecer as cédulas. Minha mãe nunca foi de usar cartão bancário, tudo era na mão, a vista. Encontrei depois de um bom tempo, dinheiro escondido no guarda roupa e em outros locais.
Ela usava muito o calendário para marcar os dias os seus compromissos e começou ta,bém a fazer confusão com essas datas, rasurando muito este calendário, para no fim das contas, começar a contar tudo de novo. Eu me sentava junto dela e mostrava como fazer.... no final desistia e a deixava em paz com suas contas.
Mas, quando ela começou a usar o relógio ou o pente para ligar a Tv em vez do controle remoto, a situação ficou muito estranha.
Estávamos no meio do ano de 2014.
Desde que minha mãe se recuperou de uma cirurgia, que quase a levou a morte, em 2010, para ser mais exata, dia 28 de outubro, ela retornou confusa do hospital. Foram 32 dias, sendo que mais de 10 dias num CTI. Ao relatar isso ao médico, ele  me disse que essa confusão foi causada pelo tempo em que ficou internada e, é muito comum ocorrer com idosos e com, o passar dos dias, ela voltaria ao normal.
E voltou. Foi o que pensei.



Pra vocês entenderem como tudo aconteceu, foi fazer um resumo.
Após a festa de Nossa Senhora Aparecida, minha mãe se sentiu mal. Ela sempre teve o hábito de tomar remédios para ajudar na eliminação de fezes. Remédios esses, não controlados, que abusava. Ao ir ao banheiro, correndo, ela acabou caindo em casa e sentiu muita dor. Associamos isso as cólicas. Acabei levando-a a emergência que não viu nada de mais.
Com o passar dos dias, essa dor foi aumentando e fomos mais 3 vezes a emergência que diagnosticou nervo ciático, prescrevendo anti-inflamatórios. Cada vez que que a levava, a receita mudava, mas o diagnóstico não.
Durante o período de 15 dias, chamei a ambulância em casa que administrou injeções de anti-inflamatórios e outro para a dor. Acalmava por umas poucas horas e tudo começava outra vez. Foram dias intermináveis, onde ela não conseguia dormir a noite toda e, isso acabou influenciando na alimentação, que se recusava a ingerir. Imagina a cena, ela não queria comer e tomava muitos remédios para a dor. Recusava sucos e até mesmo água. Eu já estava no máximo, estressada, com medo, sem saber o que fazer. Liguei para os médicos dela e todos diziam para levá-la a emergência. Fui o que fiz e nada. Chegou-se ao ponto dela não conseguir mais sentar. A dor era tanta que ficava deitada todo o tempo.
Até que.....
Na madrugada de do dia 28 de outubro, mamãe me chamou gritando de tanta dor. O estomago dela estava alto, vermelho e quente. A ambulância chegou as 5h, depois de 2 horas intermináveis de espera. Fomos direto para o hospital. Era caso de cirurgia, com risco de rompimento do intestino.
Foram as piores horas da minha vida.
Só sei que, ao chegarmos na emergência do hospital, era troca de turno. Quando, finalmente, fomos atendidas, ela foi encaminhada para exames, que vieram a comprovar que algo tinha se rompido mas, ainda não sabiam se era intestino ou estomago, pois sua barriga estava cheia de algo que impedia melhor visualização. Pediram que fosse em casa, buscar roupa e pertences pessoais, pois minha mãe seria internada e um cirurgião fora convocado. Ao chegar em casa, o medico ligou  pedindo autorização para opera-la, que o caso era de vida ou morte e que não daria tempo do meu retorno ao hospital para assinar os documentos de autorização. Ele estava pronto e sua equipe na sala de cirurgia.
Uma amiga me acompanhou, Conceição. Nem sei como agradecer essas longas horas que passamos juntas na recepção do hospital. Ela foi o meu apoio.
A cirurgia foi um sucesso e, quando o médico me deu esta resposta tão desejada, o abracei chorando feito uma criança, de tanta alegria por Deus ter me atendido. Contou-me que a cirurgia durou 1h e 30 min e que o problema fora no estomago. Afirmando que são poucos que conseguem sobreviver a uma situação desta, me parabenizando pelo pronto atendimento. Confesso que não escutei mais nenhuma palavra do que ele me disse. Tudo isso me foi relatado depois, pela Conceição, que não me deixava nenhum minuto.
Ficamos "internadas", digo isso porque fiquei com ela todo o tempo, 32 dias. Sendo que 11 dias no CTI e o resto no quarto. Não dormia no hospital, por ter que retornar a casa e cuidar de outros afazeres. Mas, todos os dias, estava entre 8 h ou um pouco mais, no quarto com ela, saindo por volta das 19 hs. Enfrentava o transito para ir e para volta. Era mais de uma hora que levava para chegar ao hospital.Uma verdadeira tortura, pois não tinha notícia dela durante toda a noite e ficava passando mil coisas pela minha cabeça. A ajudava no banho, na alimentação e procurando distraí-la de todos os inconvenientes. Como todo hospital, o idoso tem seus risco de infecção, e uma pneumonia, uma infecção nos rins e trombo na virilha foram resultados destes 32 dias internada.
Ao retornar para casa, ela não reconheceu o quarto. Não reconhecia as pessoas que vinham visita-la. Não sabia com quem falava ao telefone e, tudo para ela era novidade, novo, diferente. Ficou assim durante uns dias.
Devido a trombo, uma semana depois, medicada com Marevan, houve um rompimento de vasos internos que saíram pelas fezes. Nunca irei me esquecer do odor. Ainda bem que eu não estava sozinha. Um enfermeiro contratado, vinha de manhã, todos os dias, para dar o banho nela e, quando necessário, aplicar um Enema, ajudando na evacuação. Neste dia, as fezes vieram com sangue. Em casa também estava a Vera, nossa auxiliar semanal, uma amiga de muitos anos, Jesuíta e a Conceição de todas as horas. Era muito sangue e, por mais de duas vezes, quase desmaiou. O enfermeiro ficou ao seu lado, socorrendo-a. Foi o que a salvou.
Não sei se isso acontece com outras pessoas, mas penso que sim. Quando fico aflita, com medo, diante de uma situação de estrese, fico muito agitada e preciso liberar a adrenalina. Minha mãe no banheiro com o enfermeiro, que a socorria, a Vera, limpando todo aquele sangue e trocando os lençóis, minhas duas amigas na sala rezando e eu, fui fazer café. Isso mesmo, fui a cozinha fazer um café que ninguém bebeu. Eu tinha que fazer alguma coisa. Precisava me ocupar.
Liguei para o médico dela que providenciou uma ambulância e a sua internação num hospital mais perto de casa. Mais uma vez ficou internada no CTI, por 3 dias e outros 8 no quarto, aguardando sua estabilização, para um exame de colonoscopia. Por não haver vaga em um quarto individual, ela dividiu com outra paciente, num quarto de enfermaria, amplo e bem arejado. Fiquei sentada numa cadeira de escritório ao lado dela, todos os dias.
Por ser dezembro e por ela estar bem, recebeu alta na véspera do Natal.
Foi um Natal diferente. Meu presente estava em casa dormindo.
Enquanto a noite de ano novo, passei em claro. Ela ficou muito agitada e não conseguia dormir, nem com os remédios.
Mas, nem tudo foi tranquilo. Em março, em plena semana de carnaval, minha mãe foi novamente internada com suspeita de embolia pulmonar. Outra vez CTI por 2 dias. Foi apenas um susto e ficamos mais uma noite no quarto do hospital para servos liberadas no dia seguinte.
Como vocês devem saber, a liberação do CTI para um quarto só ocorre com a presença de um familiar e, como filha única, o fato ocorreu no horário da visita. Descemos para este quarto e tive que ir em casa buscar seus pertences e uma roupa para poder dormir com ela. Levei uma média de 1h30 minutos entre ir e voltar, encontrando-a amarrada na cama, gritando em plenos pulmões e a equipe de enfermagem, em sua sala, conversando. O sangue me subiu e a desamarrei. Levei as amarras até esta sala e chamei a atenção delas, pois não tinha autorizado essa conduta na qual me responderam que mamãe estava muito agitada e com risco de queda e já que não tinha ninguém com ela, decidiram imobiliza-la. Recolhi meus pedaços e fui para o quarto acalma-la.
Durante os quatro primeiros meses, após as internações, ela estava muito confusa, fraca, sem tomos muscular, não andava, pouco comia e parecia que estava minguando a cada dia. Não dormia a noite, queria uma luz acessa e me chamava de 5 em 5 minutos. Tinha medo de morrer dormindo. Quando muito, conseguia cochilar por meia hora. Tinha noites que eu ficava tão desesperada, que acabava perdendo a paciência, sem entender o que estava acontecendo. Afinal de contas, eu só conseguia dormir numa média de 1 h 30 min por noite, sem puder cochilar durante o dia, devido outras tarefas de minha responsabilidade.  Foram dias terríveis, na qual ela tentava levantar e acabava caindo. Não conseguia ficar com ela 24 horas por dia e a pouca ajuda que tinha, acabava não retornando. Nesses quatro meses, a levei a emergência, devido as quedas, mais de seis vezes. Cada ida, uma tomografia e horas de espera. Para a agitação noturna e a falta de sono dela, tentei de tudo. Fomos a diversos médicos, neurologistas, geriatras e cheguei a agendar um horário com uma psiquiatra. Até que um dia, final de abril, me indicaram uma geriatra que ficava na Tijuca. Ela foi o anjo que faltava nas nossas vidas e naquela noite, mamãe dormiu direto até as 4 horas da manhã. Com o passar dos dias, as noites foram ficando mais tranquilas e a rotina de dormir retornou ao normal.
Mamãe voltou a se alimentar e, com a fisioterapia (com Antonio e depois com a Ivana, hoje com a Rosana Ferreira), duas vezes na semana. o tomos muscular foi reforçado. Ela voltou a andar com muletas nesse primeiro ano e, a se interessar com programas religiosos, revistas de viagens, a rezar o terço diariamente, a receber a Comunhão em casa com Dna Maria José (hoje também com Alzheimer), aceitando fazer pequenos passeios nos shopping. Ela era outra pessoa.
No dia 8 de fevereiro, contratei uma pessoa para me ajudar em casa, Jerusa. Outro anjo que veio quase todas as semana foi Jesuíta, uma amiga de muitos anos. Sempre sorrindo, brincando, animada, procurando fazer companhia a mãe. Não tenho palavras para agradecer, pois neste período tão conturbado, ela teve pneumonia, de novo.
As tomografias já apresentavam um desgaste natural que o neuro disse ser característico da idade. Pediu apenas para observar mudanças no comportamento. Não entendi na época. Ele estava tentando me dizer que possivelmente minha mãe iria desenvolver alguma demência. Leiga, não perguntei, não fiz perguntas e me omiti.
Ontem comecei a filmar os vídeos, por 2 motivos: primeiro para a ter sempre ao meu lado e, segundo, para mostrar como é a doença no dia a dia, mostrando a realidade. Meu amor por ela é incondicional.

Link do vídeo: https://youtu.be/F916dD3uJJ4

Fotos da primeira internação: outubro 2010






Fotos da segunda internação: Dezembro de 2010


Lucinda Coelho

Jesuíta

Conceição, Vera e Jesuíta
TÍTULO: EM FORMA DE POESIA

1)
Quando você fica ausente,
me assusta.
Cria fantasias, alucinações,
fala falsas verdades,
me atinge, me agride.
Age feito criança,

me chama de "mãe",
depois, olha o vazio,
esquecendo-se deste mundo.
O que passa por sua cabeça?
Tenho medo.
A doença fala mais alto
e por mais que tente,
ela me vence.
Como isso tudo foi acontecer?


2)
Hoje chorei
como há tempos não o fazia.
Chorei pelo cansaço,
chorei pelo vazio.
Chorei por estar sozinha,
chorei por toda esta dor.
Chorei sem motivo
como um desabafo.
Chorei de saudades
por você não estar aqui.
Chorei em silêncio
em busca de colo.
Apenas chorei,
encolhida nos seus braços.


TÍTULO: POR QUÊ ESCREVER ESSE BLOG?

Escrever, pra mim, é um desafio, além de gostar muito de ler, também amo escrever. Mas por ser filha de espanhóis e, dentro de casa, o falar português é mais raro, sempre tive muitas dificuldades na escola.
Então, me pergunto, por quê escrever?
Porque acabo de descobrir que não estou sozinha. Muitas pessoas estão vivendo a mesma situação e, existem poucos livros, ou sites que falam sobre a experiência de viver com alguém com Alzheimer. Existe sim sites que falam da doença, o que é, os sintomas, etc. São sites informativos. Mas poucos falam das nossas dúvidas, das dores, da experiência, do sentir, da culpa e do medo. Além do mas, escrever é uma maneira que encontrei de colocar pra fora o que penso e o que sinto. Em vez de continuar procurando pessoas para contar sobre isso, enchendo seus ouvidos e, conseguindo, afasta-las, resolvi escrever.
Hoje já aceito a doença. Convivo melhor com minha mãe e sei que muitas das vezes, é a doença quem está falando.
Ela está na fase intermediaria. Está medicada com Cloridrato de donepezila de 10 mg e Cloridrato de Memantina, também de 10 mg, só que duas vezes ao dia. Para quem não sabe, são 4 as fases: inicial, intermediária, final e terminal. Ainda não há cura. Ninguém morre de Alzheimer. Morre decorrente a ele, geralmente ocasionado por problemas respiratórios, como o broncoespasmo, bronco aspiração e pneumonia. Alguns com problemas de infecção urinária, outros generalizada e outros cardíacos.
Como disse antes, não estou sozinha, apesar de pensar o contrário durante o ano todo de 2015 e inicio de 2016. A partir do momento que aceitei, comecei a buscar referência, outros casos, outras experiências que viessem a me completar. Encontrei apenas 3 livros que me interessaram, sendo um apenas de outra brasileira, que vem a relatar sua experiência profissional e pessoal ao cuidar de sua mãe.. Pesquisando, entrei num grupo nas redes sociais, o Facebook e,  me inscrevi. Nesse grupo, que acabou sendo de apoio, me emocionei. Me vi cercada de amigas com o mesmo problema, onde todos falam abertamente sobre o assunto e escutam. Dão opiniões, dicas, se ajudam. Oferecem apoio e, principalmente, entendem as dificuldades, pois já passaram por isso ou estão passando. Existe também o ABRAS, que oferece apoio. Ainda não fui assistir nenhuma palestra. Não estou pronta.
Escrever me ocupa.
Escrever me tranquiliza.
Escrever me faz sentir.
Espero que, um dia, isso possa vir a ajudar outras pessoas.


Durante esse ano,  acabei conhecendo uma pessoa que acabou se tornando uma grande amiga. Uma amiga no Alzheimer. A Claudia Alves Silva, que hoje tem um canal no Youtube - Francisquinha Alves, O Bom do Alzheimer. Ela estava no mesmo grupo do Facebook e, nessa amizade, resolvemos criar nossas páginas no youtube. Trocamos ideias e nos ajudamos. Transformei a minha página pessoal em Minha mãe tem Alzheimer , colocando os primeiros vídeos que fiz com mamãe, para mostrar ao médico. Vamos começar a divulgar o Alzheimer de uma maneira mais tranquila. 
TÍTULO: NATAL DE 2014.

Mês de Natal e festas de final de Ano. Só consegui montar a árvore no dia 23. Sem clima. Parece que quando mais problemas se tem, mas aparecem. Tive um mês muito corrido e sem tempo para pensar no problema maior. Ainda bem.
Finalmente tive coragem para falar sobre o assunto com algumas poucas amigas. Sem fôlego, entre lágrimas, ainda negando tudo, consegui contar. A reação foi a mesma: incredulidade. Afinal de contas, minha mãe sempre foi uma pessoa alegre, vaidosa, forte e, era ela quem cuidava da casa e da família. A matriarca.
Hoje sei que muitas destas pessoas, a quem contei o problema, acabaram se afastando. Ninguém que ouvir problemas dos outros. O medo faz parte da vida e ficar escutando, o tempo todo, sobre o Alzheimer, é muito difícil. Se não ouvir, se não souber, não irá acontecer em minha casa. Essas coisas acontecem com os outros e nunca com a gente. Eu mesma, não conheço mais ninguém que tenha Alzheimer. Confesso que nem sabia escrever esta palavra.
O Alzheimer assusta, até parece que é contagiosa.
Com o diagnóstico feito, comecei a observar melhor as atitudes de minha mãe, que antes pareciam ser "manias de velha", idade senil..
Sua fixação, nesta época, era com um programa religioso da TV, na qual ela participava diariamente, com fervor e, fazia suas doações mensais através de boletos que eram recebidos em casa via correio, de Goias. Conversava com o Padre e acreditava, piedosamente, que ele também falava com ela e a escutava. A medida que essas doações ocorriam, elas foram aumentando o valor, por desejo dela. A ponto de ter que me intrometer, pois, se deixasse, ela doaria toda a sua aposentadoria. Chegou ao ponto de querer me acompanhar ao banco para ter a certeza de que essas doações estavam sendo feitas, no valor combinado. Tal ponto era o nível de angustia, que duvidava deste pagamento, mesmo tendo ido ao banco comigo e tendo em mãos o boleto quitado. Não é fácil levar uma pessoa que está numa cadeira de rodas, por estas calçadas mal cuidadas. E, dentro do banco, eu sentia vergonha dela estar doente. Ela gritava, falava coisas que me magoava, desconfiava de mim e dizia que eu a estava roubando. As pessoas olhavam e cochichavam, outras riam disfarçadamente e eu sentia que como se uma seta apontasse a minha a culpa por não ter percebido a doença antes, uma seta vermelha e reluzente sobre a minha cabeça.  Ninguém mais poderia saber. Eu escondia o Alzheimer de minha mãe.
Houve antes desta época, discussões sobre essas doações, eram mensais. Isso antes mesmo de saber qual era o problema. Sabia que tinha alguma coisa acontecendo, mas nunca imaginei o tamanho dele. Toda vez que ela recebia a carta mensal do programa, com o boleto, eu já sabia. No dia seguinte era fatal. Não pela doação. Mas pelo modo que estava acontecendo. Minha mãe não tinha mais noção do valor de cada cédula e, R$ 100,00 reais para era igual a uma nota de R$ 1,00. Eu ficava apavorada com os sinais e negava. Houve vezes que ela tentou ir sozinha ao banco mas, devido sua dificuldade em andar, não conseguia e eu, como filha, acabava cedendo. Não antes de negociarmos o valor.
Paralelo a tudo isso, minha mãe estava com dificuldades para dormir. A noite a assustava muito e, parece que o medo da morte é maior do que o sono, ficando muito agitada. Tal agitação fazia com que ela ao se deitar, ficasse se revisando na cama. Queria levantar e voltava para a sala. Isso não acontecia uma vez e sim várias. As vezes passavam-se duas horas nesse ir e vir. Era um tal de ir para a sala, da sala para o quarto, do quarto para a sala, de novo para o quarto, deitando no sofá, voltando pra cama, até ficar cansada e o remédio fazer seu efeito, vencendo-a.
Outros dias, acaba dormindo praticamente o dia todo, sem medicação.
Ficando sonolenta, mole, sem animo para nada. Só querendo cama.
Uma rotina que se parece com um ciclo interrupto.

Então, dezembro chega ao seu final e um ano novo começa.Nunca chorei tanto na noite de ano novo, na varanda de minha casa, vendo os fogos, a alegria dos outros. Eu me sentia a vítima. O mundo todo comemorando e eu sozinha, triste, desesperada, cansada, derrotada. Mamãe dormiu esta noite.