11 dezembro 2016

TÍTULO: O Amanhã.

Você gostara de saber se terá Alzheimer?

Sabemos que o Alzheimer é genético e não hereditário. Isso não quer dizer que, estes genes não causam a doença, é necessário estar associado a diabetes, pressão alta, falta de vitamina B12, tireoides, trauma no cranio ou a idade avançada, para o Alzheimer aparecer. 

Não. Não gostaria de saber se terei a possibilidade de ter essa doença ou não. Não farei testes antecipadamente. 


Mas, você poderá dizer, mas se você souber se tem a chance de ter, poderá começar a se tratar. Concordo. Mas também, começarei a me preocupar, a associar toda e qualquer esquecimento a doença que ainda não tenho. Quem cuida de um doente com Alzheimer sofre muitas pressões e estresse.

Então, ainda não quero saber. Posso mudar de ideia quando a idade avançar e sinais começarem a surgir. 

Minha avó teve o que chamávamos na época de Esclerose. Faleceu com 71 anos decorrente a outras doença. 


Hoje, minha mãe tem essa demência.


Então, por quê sofrer por antecipação?



Minha avó materna, Catalina

TÍTULO: Nem tudo é preocupação.

AH! OS DIAS FELIZES EXISTE

Os momentos mágicos em que ela expressa o seu amor e me diz com todas as letrinhas "Eu te amo!". Nossa! Como recompensa, isso não tem preço. Fico sem chão e a minha vontade é de chorar copiosamente. Abraço e beijo muito a minha mãe, que está do meu lado me dizendo que me ama muito.



Tem também aqueles dias em que ela não me ama mais e diz que todas as letras que quer que eu vá embora e a deixe em paz.

E aqueles dias que eu já perdi toda a paciência e digo que vou mesmo. Mas não vou. Não conseguiria ir.

Eu também te amo, mãe.




TÍTULO: As quedas.


É o meu maior medo.

Devido a artrose crônica nos joelhos, ela anda com muita dificuldades e dores. Por isso o uso da cadeira de rodas. Não tem como percorrer pequenas distâncias sem o risco de uma queda. A levo a todos os cômodos com ela. Lógico que ela me ajuda quando precisa ir ao banheiro e a cadeira não entra ou se deitar na cama. Levanta e o resto faço eu.

Mesmo com todos os cuidados, o risco existe. É real. No período que fica agitada, então, nem se fala. É um verdadeiro tormento. Cheguei a filmar esses momentos e fui duramente criticada pois, segundo essas pessoas, eu a estava deixando sofrer. Filmes de 60 ou 90 segundos, diante da porta de saída, num período de crise, tentava abrir a porta da rua. Lógico que não a deixaria muito tempo em pé e uma cadeira estava pronta para ela se sentar e, também, a porta tem cinco trincos. Se abrir um, não consegue abrir as outras. Uma das chaves fica na fechadura e é o que a distrai para não ver as outras. Estes vídeos estão disponíveis no YouTube..

Mas as quedas podem ocorrer, como ocorreram na crise ou sem crise. Acontecem mais fora da crise.

Não é possível acompanhar 24 horas por dia. Outras tarefas me chamam, dentro de casa. Tenho câmera baby, que fica ligada na sala e, deste jeito, consigo monitora-la quando está no quarto. Mas, e quando penso que ela está dormindo e acaba se levantando para ir ao banheiro? E quando acredito que está na sala vendo TV e a encontro indo para o quarto, em pé, se agarrando nos móveis? E quando a estou ajudando para entrar no banheiro ou no quarto e o joelho falha inesperadamente? Ou quando? Pois bem, pode acontecer.

A última quada foi a noite enquanto cobria os pássaros na área. Já estava limpa, deitada, com a fralda colocada e os remédios da noite. Pronta para dormir. Só que não estava e resolveu levantar, pegar o vestido que estava pendurado no cabideiro e sair do quarto. Tudo isso no escuro e sem fazer um ruído. Só ouvi ela me chamar. A encontrei no chão, com o vestido na mão. Não soube me explicar o que aconteceu e como caiu. Mas tinha um pouco de sangue no chão, acabara de ganhar um corte superficial no supercílio direito. Após estancar o sangue e colocar muito gelo, fiquei com ela por mais de uma hora, acordada, vendo TV, antes de voltar a se deitar. Pensa que acabou? Engano seu. Tornou a se levantar mais seis vezes após a queda. Fomos dormir as 23:30h. Nessa noite, o primo de uma das nossas vizinha, que estuda medicina, veio vê-la e me ajudou com o curativo e a recolar na cama.




TÍTULO: OUTROS DIAS

Domingo, 11 de dezembro de 2016.


Existem dias e existem outros dias. Cada um é bem diferente do outro. Quem tem um ser amado em casa com esse alemão, que aflige tantas pessoas, que é o Alzheimer, sabe do que estou falando. Não é ter um bebê em casa, é ter um bebê, um adolescente e um idoso, e todos ao mesmo tempo. Cada hora é um acontecimento diferente, uma ideia fixa, um estalo, um grito ou um beijo, uma birra, um novo desejo, ou melhor, o repetir. Muitas vezes não sei lidar com essas situações e outras, o faço na intuição. Hoje pode ser domingo, como também, poderia ser qualquer outro dia. Será que hoje será um dia normal?

Meu dia começa quando minha mãe se levanta de manhã. Independentemente de ter acordado antes e já preparado o café, arrumado a cama ou as calopsitas). Costumo dizer que acordo antes das galinhas e, algumas vezes, acordo meus pássaros. Pode ser dia de festa, finais de semana ou dias comuns. Não importa. O calendário é igual para todos os dias santos e feriados.

Então espero.

Diversas vezes vou ao seus quarto e confiro se está tudo bem. Se está molhada ou até mesmo, respirando. Tenho esse medo. Dela não acordar. Mas, isso é outro capítulo.

Então, ela se levanta.

Começa o meu dia.

Alimentar, dar banho, higiene bucal, passar creme, pomadas, vestir, calçar, pentear e leva-la para a sala, ligar a TV no seu programa preferido. Hoje parece que tudo vai dar certo.

Ah! E tem o dia do cocô. Banho tomado, limpinha e cheirosinha e, chega o cocô. Começa tudo outra vez.

Com isso pronto, começo a me preparar para executar as tarefas de casa ou externas. Quero lembrar, que só posso sair quando tem alguém em casa, e esse alguém, hoje é a Angela, que vem alguns dias da semana ficar com ela e me ajudar nas tarefas domésticas.

O almoço sou eu quem preparo e, todos os dias, almoçamos juntas. Ela ainda come sozinha, mas fico ao seu lado acompanhando. Pode levar uma hora ou menos, mas isso não tem problema. Esse momento é nosso. Após o almoço, vai descansar um pouquinho e, quando se levanta, dependendo da hora, podemos ir ao play ou ver um filme juntas.

Por volta das 16 horas,o reloginho do Alzheimer parece que desperta e começa a síndrome do entardecer. A agitação vem num estalo e fica muito alterada. Se debate, bate com as mãos na cabeça, começa a se levantar da cadeira e vai para o sofá, que está do lado, levanta de novo, senta outra vez, coloca as pernas sobre a cadeira de rodas, deita no sofá, levanta de novo e, quando resolve ir sozinha para a porta, não tem "SANTO" que a impeça. Procuro estar ao seu lado, pacientemente, até conseguir convence-la a retornar para a sua cadeira. Durante esse período, já foi medicada e o remédio demora de 30 a 45 minutos a fazer seu efeito. Distrai-la nessas horas, não funciona muito. Quando quer uma coisa, a adolescente aparece.

Após esse momento de agitação, fica sonolenta e deita um pouco antes do lanche da tarde. Por meia hora ou um pouco mais. Retorna mais tranquila e, apesar de fazer as perguntas angustiantes, que muitas vezes nem sei o que responder, aceita o lanche e a medicação das 18 horas. Pergunta sobre uma "menina", que deve ser eu quando criança. Pergunta pelos pais e os irmãos, todos falecidos, pergunta sobre o marido, que também não está mais entre nós. Fala sobre a minha irmã, que nunca existiu, pois nessas horas, eu sou a cunhada que tem uma irmã. O pior das perguntas é quando pergunta quando eu irei retornar da escola ou do trabalho. Não me reconhece. Vou distraindo-a com o que tenho em mãos e entro na sua fantasia.

Não tem o costume de jantar e, por isso, o lanche e reforçado.

A TV fica ligada e, apesar dela não se interessar muito pelos jornais da noite, acaba olhando de vez em quando até a hora dos remédios da noite. Acostumado a tomar tarja preta, não consegue dormir sem ele. O sono vem e vai deitar.

Mas, nem sempre é assim. O sono vem, deita e a luta para não dormir acontece. Chama-me diversas vezes. Em média de seis a dez vezes antes de se render. Todas as vezes vou ao seu quarto e fico com ela e procuro descobrir o que a está incomodando. As vezes não é nada, só quer conferir se eu vou dormir em casa. Essa casa que nunca é dela, a casa que não reconhece. Então dorme.
Não existe um horário certo, depende da sua agitação. As vezes as 20:30h, outras perto das 24:00h.

Fico acordada até ela pegar no sono. Amo filmes Hindi e fico assistindo até chegar o meu sono.

Então termina o meu dia.








06 outubro 2016

TÍTULO: NOITES DE ESTRELAS

Dia 06 de outubro de 2016.

É muito complicado quando a medicação não faz o efeito esperado e, começo a me perguntar, como seria se ela não estivesse medicada e com acompanhamento médico? A madrugada foi uma dessas noites que nada funciona. Não quis dormir e pronto. Tentei todas as táticas conhecidas e a imaginação acabou com o cansaço. Foi um coloca na cama, cobre (está fazendo frio aqui no Rio de Janeiro), beijinho de boa noite e, cinco minutos depois, ela está de pé. Pior, não sabe nem porquê. Durante duas horas, o exercício foi esse. Até que resolvi ir deitar também, para mostrar a ela que estava na hora de ir dormir. Meia hora depois, ela estava no meu quarto, me procurando. Fez isso por duas vezes. Uma hora depois, eu já dormindo, me chamou e fui atende-la. Ela nem se mexeu da cama, apenas disse que me amava. Ah! Isso quebra qualquer outra atitude. De volta a cama, parte 6 custei a dormir e quando consegui, novamente me chamou. Estava toda molhada de xixi. A fralda noturna não resistiu de tanto mexe mexe na cama e as 3h da madrugada, fiquei em plena atividade trocando a cama e fazendo a sua higiene. Bem, pensei, agora ela vai dormir. Pura ilusão. Levantou umas 4 vezes durante uma hora, puxando os lençóis, pois como ela mesmo disse, eram dela e iria levar com ela para a sua casa. Não acredito: a história de voltar pra casa as 4h da manhã! Sei que ninguém gosta de ver ou ler uma situação desta, mas como eu mesma digo, escrevo para desabafar e, com isso, ajudar outras pessoas. A solução que tive foi cansa-la. Fomos ver TV até as 5h. O nível de confusão era tão grande que não adiantava fazer nada. A solução foi deixa-la quieta, em segurança, ao meu lado, vendo TV. De volta a cama, ela ficou por apenas mais uma hora e as seis da manhã levantou e pediu que a leva-se para a casa da mãe dela. Nesta hora eu já estava com tudo pronto na cozinha, pois o sono já tinha me abandonado.
Agora, ela está na sala, com os olhos bem abertos, vendo as orações do dia. São 9h da manhã.
Pergunto-me se ela estaria melhor assistida se estivesse em uma casa de repouso. Não sei. Nestas horas me desespero e penso nesta opção. Mas então, reflito, se isso não seria mais uma atitude de momento. Como seria, minha mãe num local deste, com toda a dificuldade de se comunicar, pois fala mal o português, ainda com um nível de consciência e me acabo me calando. Talvez um dia isso venha acontecer. Talvez eu traga uma equipe em casa. Talvez, talvez talvez. Por quê pensar nisso agora. Foi só uma noite ruim.
Na foto, minha mãe se levantou da cadeira de rodas e se sentou na mesa de centro, que é bem reforçada e aguenta bem o peso dela. Meu pé aparece na foto.

Link: https://youtu.be/2BamigQBO1Q e https://youtu.be/w4WevGjgEvg




03 setembro 2016

TÍTULO: CORAGEM




Ah! Querer teu bem
Maior do que qualquer outra coisa.
Querer teu abraço
Tão simples e esperado.

Apenas dar o melhor de mim,
Sabendo que nem sempre
Terei o teu melhor
Mesmo se esforçando.
Poder te abraçar
Todos os instantes
Estar, apenas isso.
Simples como um sorriso.
Fácil como um beijo.
Eterno como meu carinho.

Nem todo caminho será fácil. Haverá muitos obstáculos. Creio Em Ti, Senhor. Ao meu lado Estarás. Dei-me a força que tanto necessito e a coragem para seguir.

Minha mãe, você não está sozinha.
Tenho-te em meus braços.
Mas, de vez em quando,
Faz uma forcinha
E me receba em teus braços também.

Hoje sei que existem milhões de pessoas com Alzheimer. E outros milhões que cuidam, sejam filhas, cuidadores formais ou informais. Não estamos preparadas. Nunca esperamos que a doença bata em nossa porta, em nossas caras. Muitos desses, sem condições financeiras, pois precisam parar de trabalhar para cuidar. Muitos sem fraldas, remédios adequados, tratamento adequado, dependendo da boa vontade de amigos, vizinhos, estranhos. Grupos estão se formando nas redes sociais, a informações começa a fluir e o Alzheimer está deixando de ser um mito. Ela é uma realidade.

Link: https://youtu.be/lH-wY2Vd6vo ; https://youtu.be/g6YBmHw3siE
TÍTULO: MEDICAÇÃO.

Desde que foi diagnosticada, ela é tratada com um geriatra, que ministrou, no seu primeiro ano o remédio, Donepezila de 5 mg que o tomou por um ano. Mesmo assim, a doença evoluiu e as agitações e comportamentos mais agressivos começaram a aparecer. Foi ministrado o de 10 mg, sempre a noite e, começou também com o Memantina de 10 mg. Com um período de adaptação, que durou um mês, aumentando a dosagem paulatinamente. Começou com meio comprimido uma vez a noite, durante uma semana, depois mais meio, no horário da manhã, pelo mesmo período. Na terceira semana, a noite, passou para o comprimido inteiro e, finalmente, na última semana, o mesmo aconteceu com o remédio da manhã. Hoje são 20 mg dividido em dois horários. Manhã e noite.
Mas a agitação continuava.
Milagrosamente, surgiu em nossas vidas, o Quetiapina.
Não sou médica e não posso recomendar a ninguém esse medicamento, pois cada caso é um caso e, as receitas são controladas. Mas, o Quetiapina de 25 mg chegou, e na primeira semana, foi ministrado também com meio comprimido, passando para o inteiro depois desta adaptação. É nítido a melhora depois de uma semana de uso. O entardecer chega e o remédio é ministrado. A agitação que estava querendo aparecer, é colocado em escanteio, e minha mãe fica mais tranquila. Um dos sintomas é uma sonolência, o que acaba ajudando a noite, pois dorme direto, sem nenhum problema. Volto a repetir. Cada caso é um caso e, pelas leituras que tenho tido a oportunidade de fazer, há pessoas com o D.A. que não se adaptaram e outras, que a dosagem é maior. Só o médico é quem pode decidir e adequar a dose.
Hoje, minha mãe usa o QUET XR de 50 miligramas em vez da quetiapina de 25 miligramas. Ele tem resolvido o problema de agitação noturna, pelo menos amenizado bem.

Outra coisa que faço com ela, além de sair para pequenos passeios, é pedir a sua ajuda para fazer algo. Mesmo que ela não consiga, agradeço e elogio. Lógico, que na sua maioria das vezes, tenho que refazer. Mas ela não sabe e se sente útil.


Link: https://youtu.be/7lx4ztWP-cw

Facas e tesouras já não são permitidos, pois sua coordenação está prejudicada. Mas outras tarefas podem. Ela me ajuda no seu banho. Colabora quando a visto. Escolhe a roupa que quer usar para sair ou ficar em casa. Arruma seu cantinho onde guarda suas revistas. Coisas simples, diárias, mas importantes. Isso ajuda a guardar na memória a rotina diária e, com o tempo, isso vai se incorporando e não estranha mais. Cito o exemplo do uso da fralda. No inicio não queria. Incomodava. Mas, a verdade é que sentia vergonha. Mostrei a ela a importância da fralda noturna, que devido sua dificuldade de andar, seria legal usar, para evitar de ficar toda molhada na cama ou ter que se levantar dois ou três vezes a noite, para ir ao banheiro. Cheguei a colocar uma para mostrar como era fácil de usar e mais prático. Rimos muito. Então ela usa há 5 anos, sem nenhum problema e, a hora de ir pra cama, ela me lembra que tenho que colocar a fralda nela. Muito linda, essa minha mãe.


28 agosto 2016

TÍTULO: Boulevard Olímpico


Rio de Janeiro,28 de agosto de 2016.

Final das Olimpíadas no Rio.
Fomos três vezes visitar o Boulevard Olímpico na Praça Mauá.
Um passeio super gostoso, seguro e muito limpo. Não há palavras para elogiar o local e o que foi feito. Muita gente, mas muita mesmo. Só quem foi sabe do que estou falando. Pensei até em colocar uma buzina na cadeira de rodas da mamãe (risos). Acabei colocando uma de de bicicleta.
O primeiro dia foi num sábado, 03 de agosto. Lotado. Andamos da Praça Mauá até a Praça XV. Muitas atrações e filas intermináveis. Não entrei em nenhuma. Ficará para a próxima vez. Mamãe ficou encantada. Tudo fotografado e registrado e,com a promessa de retornarmos.
Como consegui levá-la. Simples. Durante toda a semana falei sobre o assunto, independentemente de esquecer logo depois ou não, fui falando e a ideia de visitar um lugar desconhecido foi entrando no seu sub inconsciente. Lógico que eu estava mais animada do que ela, mas só de pensar em mostrar o local revitalizado, foi mágico. O dia chegou e a preparação durou 2 horas. Banho, escolher as roupas, separar, se arrumar e fomos. De táxi. Não tem como parar um carro por lá e a sua mobilidade é limitada. Fiz isso nas outras duas vezes também. Valeu a pena. Sua alegria ficou registrado nas fotos e, ela se lembra disso ou, pelos menos, é o que confirma.
Na segunda vez, fomos do outro lado, Praça Mauá até os painéis do Kobra. Novamente, muita gente e filas para entrar nas exposições. Não deu desta vez. Ela não iria aguentar tanto tempo, sendo levada de uma exposição a outra.
Nesta terceira vez, que não será a última, finalmente conseguimos entrar no Museu do Amanhã. Levamos a Angela, que adorou tudo. Foram quase três horas de passeio e não conseguimos visitar tudo. Vamos voltar. A tecnologia, a integração homem e máquina, as informações, exposições, filmes, etc. Um Museu com letra M maiúscula. Moderno, amplo, organizado, informativo, interativo. Sem palavras.
Lógico que tudo isso tem um preço.
Agitação. Movimento leva a minha mãe a ficar confusa no final do dia.


Link https://youtu.be/w34KqYLmLQ4


























O que acabou acontecendo nesta última visita. Veio forte. Durante duas longas horas, não tinha o que se fazer, apenas acompanhar essa agitação para evitar quedas. Mas a queda acabou acontecendo. Sem danos maiores. Queria tanto entender os embaralhados de seus pensamentos. Num momento era estava bem, pronta para ir dormir, limpa, alimentada e com os remédios dados no horário. No outro, minha mãe estava com uma ideia fixa de que tinha uma pessoa na varanda e esta pessoa era a sua filha. Eu. Fomos até a varanda, que tem grade, e mostrei a ela. Não adiantou. Abri e não a deixei ficar em pé no parapeito da grade. Começou a grita e a me chamar. Consegui que ela entrasse e, outra vez, foi até a grade fechada da varanda. Na terceira vez ela caiu. Ficamos no chão, sentadas lado a lado, conversando com ela, mostrando a varanda e tentando acalma-la. Tudo isso, nem preciso dizer, que é desnecessário. Nesses momentos nada adianta ficar falando, falando e falando. A deixo sossegada e tento de novo. Até ela se cansar e querer ir pra cama. Só que, depois de um dia tão movimentado, o cansaço já instalado e 21h da noite, acabei pedindo ajuda ao vizinho para levanta-la.
Foi dormir e o fez durante toda a noite. Calma, serena, levantou-se hoje pela manhã, sem nada lembrar. O lado bom do Alzheimer é esses. Ela não lembra das crises. Não sofre com isso.







07 julho 2016

TÍTULO: SOBRE ONTEM

Senti-me derrotada na terça feira, dia 05 de julho de 2016. Uma sensação de impotência diante dos delírios de minha mãe. Prendi o choro e a vontade de jogar algo na parede, para que toda essa minha frustração saísse do corpo. Vivo tensa, com dor nas costas, nos ombros. Tentei, juro que tente. Começou por volta das 14 h, e após uma horinha sentada com ela, na sala, mostrando seus bibelôs, a mesma história rebobinava e começava tudo de novo. Na sua fantasia, essa casa não é dela. E sempre me pede para levá-la de volta, para junto de seus pais, do seu irmão ou do esposo. Neste dia, queria por que queria voltar pra casa e nada a distraía. Foi um dia muito difícil.
Sai com ela, fomos ao Play. Subimos e a mesma história. Fui no corredor com ela e cada porta queria bater. Chegou a tocar uma campainha e a vizinha abriu. Mamãe não perdeu tempo e, na sua linguagem, reclamou de mim pra ela.

Sei que outros dias iguais a esse virão.

Será que estarei preparada? Não. Nunca estamos preparadas para o que poderá vir.

Mãe tentando abrir a porta para ir embora

No YouTube tem vídeos desses momentos.

Link: https://youtu.be/BdKWfivTvPM ; https://youtu.be/wL_10YJkA-8 ; e
o vídeo quew mais "bombou" no youtube: https://youtu.be/fguGqKAEOnw ;
https://youtu.be/L4DDMqffBYI



03 julho 2016

TÍTULO: PENSAMENTOS SOLTOS


Depois de alguns dias escrevendo, fiz o convite para uma amiga, que tenho como irmã. Foi motivador. Ela conseguiu captar o que sinto e me apoiou. Com isso, resolvi divulgar para outros amigos e, continuei escrevendo. Não vou citar nomes, até porque não será necessário, eles irão se identificar. Ler a alma não é uma coisa comum e isso poderá se tonar cansativo. A história se repete e a minha angustia é fotografada o tempo todo. Não vou por maquiagem nas palavras. Escrevo o que sinto e o que vejo, sob uma perspectiva do final que me aguarda. Alzheimer não tem cura. O que morre são as memórias, no princípio as recentes, depois parte para as medianas e, finalmente, apaga tudo. O corpo começa a falhar e a pessoa não consegue nem se comunicar, comer ou se interessar por algo. Decisões deverão ser tomadas nessa fase final. Colocar uma sonda para facilitar a alimentação, por exemplo. A internação talvez seja uma solução, mas hoje ainda não penso nisso. Ou melhor dizer, não quero nem pensar nisso.

Mas uma coisa importante devo ressaltar, escrever está me fazendo um bem enorme e, recomendo isso a todos. Registrar pensamentos, sentimentos, opiniões, reler depois e ver o que mudou, etc.

Hoje aceito a doença.
Difícil foi chegar a este momento.
Garanto a todos que a frase "aceita que doí menos" é real.
Se antes ficava irritada quando minha mãe deixava cair a comida no chão, o mesmo chão que eu tinha acabado de varrer, hoje eu apenas observo, e a limpo. Ela fica me olhando esperando alguma reação, feito criança que sabe que fez algo errado. Mas será que é errado? Não. Não é. Isso porque a sua coordenação motoro está comprometida e é esperado que isso aconteça. Então, por quê se chatear com coisas tão tolas? Não vale a pena. Dê atenção a outras necessidades e irão descobrir um universo.

Link do vídeo: https://youtu.be/AQlu5tBPV_w
O que fazer se a comida cai de minha boca
e mancha o meu vestido?
Como posso segurar um copo, se minhas mãos
não mais me obedecem?
Como evitar a vergonha de me encontrar
toda suja e urinada?
Nem percebo quando tenho essas necessidades.
Não brigue comigo, por favor,
não o faço por querer.
Simplesmente acontece.
Muitas vezes, nem isso percebo.
Tenho fome, tenho sede, e esqueço as palavras.
Estou carente e quero um beijo,
desejo teu abraço,
quase nunca estou contente.
Meu mundo ficou pequeno,
meu mundo agora é você.
Que ainda reconheço.
Sinto falta de todos, mas quem são todos?
Se hoje só tenho você por perto.





29 junho 2016

TÍTULO: EU ODEIO ALZHEIMER.. 


Quero minha mãe de volta! 

A paciência de hoje está abaixo do nível de sobrevivência. Há dois dias que ela quer "ir pra casa" e só fala de uma "menina", que é vive com o irmão que é o tio dela. Ops! Será que sou eu essa menina? Hoje acordou as 5h30min da manhã pedindo pra voltar pra casa, se vou demorar muito para me arrumar. Nossa! Está me chamando de 10 em 10 minutos e tudo que digo se apaga. Tenho que rebobinar a fita. Meu Bom Deus! Eu odeio Alzheimer. Minha mãe está presa no próprio cérebro. Não reconhece a casa, não reconhece suas coisas que estão na casa. Concorda com tudo que fala e depois de 5 minutos, recomeça.
Tem dias que fico com medo de acordar e vê a realidade de casa. Não sei como ela irá se levantar. Na maioria das vezes, acorda em, toma seu café com pãozinho e depois vai para o banho. Procuro respeitar uma rotina para que ela fique acostumada a isso e não se esqueça dessas tarefas. Neste horário, interage com as calopsitas, que ficam soltas na área e vão pra cozinha buscar alimento. Também toma 4 comprimidos, sendo um para a depressão, dois para o Alzheimer e um para a glicose. A hora do banho é bem legal, brinco com ela e peço sempre a sua ajuda para se limpar. Isso a faz ter consciência da higiene e que o corpo precisa de banho todos os dias. A coloco no quarto e passo os cremes, a visto , penteio e, depois de toda essa rotina pós banho, a levo para a sala. É a hora da TV com seus programas preferidos. Geralmente, Missa ou outro programa religioso. Ao seu lado tem revistas, copo de água e o que necessitar. Aproveito esse momento de tranquilidade para arrumar os passarinhos, cuidar da louça do café, adiantar o almoço, arrumar as camas e outras tarefas domésticas. 
Tem dias que a manhã passa tranquilamente e quando se nota, está na hora do almoço. s vezes come outras não. Gosta de novidade. Cada dia um prato diferente. Gosta de saber o que irá comer no almoço e sempre pergunto o que ela gostaria. Geralmente diz que não sabe e que eu escolha. Então sugiro dois pratos e ela acaba escolhendo um deles. Descansa depois, por uma hora, na cama. É a "siesta".
Então a mudança ocorre.
Quando não consegue descansar eu já sei que o Alzheimer começou a falar. 
Quando descansa, quando se levanta, o Alzheimer pergunta algo.
Isso mesmo, o Alzheimer fala. E como fala. 
Pergunta pelo marido, meu pai que já faleceu há 12 anos.
Pergunta pelos pais dela ou pelos irmão, todos já falecidos.
Pela tal "menina" que nunca vem.
As vezes por minha irmã, sendo que sou filha única.
Ao cair da tarde, "quer ir para casa". Sabe que tenho carro e que está na garagem, e me pede para levá-la de carro pra casa. 
Inexplicável...
Nessas hora peço forças a Deus. Mas acho Ele demora em me atender e o Alzheimer continua falando.
Procuro entrar na sua história e acabo falando "mentiras terapêuticas". Ela realmente crê no que fala. 
Seguimos em frente. Ainda estou aprendendo e cometo erros. Muitos por sinal. 

Link do vídeo: https://youtu.be/1qPPIJom6OU e https://youtu.be/VH8tf_VtbFQ











28 junho 2016

TÍTULO: OS FINAIS DE SEMANA.

Como filha única, tomei a decisão de cuidar dela. Com o  passar dos meses, percebi que esse peso emocional estava desequilibrado e que tinha que fazer algo, senão estaria enlouquecendo junto. Ver a pessoa que tanto se ama, incapacitada, devido esta doença tão degradante, me trouxe sofrimento, raiva, ódio, impaciência, intolerância e uma vontade enorme de jogar tudo pro alto e sumir. Sozinha eu não poderia fazer tudo. Resolvi, no início de 2015, cuidar um pouco mais de mim, primeiro com a minha saúde e, procurei meus médicos para realizar consultas e exames, que tinha adiado por cinco anos. Neste período estava sofrendo de um dor no pé direito que acabei descobrindo se tratar de uma fascite plantar que tratei com acupunturara durante quatro meses. Devido o sobre peso, entrei numa dieta com acompanhamento e sem medicação. Não podia realizar caminhadas, devido a fascite e só depois disso é que comecei a me exercitar. Tudo isso deu resultados e hoje me sinto fisicamente melhor. Minha alma também precisou ser cuidada e os Florais de Bach estão ainda me ajudando.
Mas, ainda resisto em trazer alguém de fora para me ajudar com minha mãe nos finais de semana. Sei bem que esse momento chegará um dia e uma cuidadora profissional ou um Home Care precisarão ser contratados. Hoje a Angela me ajuda durante a semana, vindo três vezes, para cuidar da casa e ficar com ela quando tenho afazeres fora. Mas, o final de semana é todo meu.

Todo final de semana é longo e cansativo. São 48 horas direto com minha mãe a merce da doença, que fala. São raros os domingos que ela fica bem. Geralmente não quer almoçar e fica na cama por muito tempo, recusando-se a sair para um passeio ou outra atividade. Essa tensão e esse cansaço pode-se sentir no ar e corta-lo com uma faca. Fico, geralmente na sala com ela, procurando distraí-la com revistas ou TV. Rádio ou música já não a distraem. Música, nem pensar. Ela acaba reclamando do barulho.  Quando vai para o quarto descansar, deixo o som da TV bem baixinho, para não incomodar e poder também escutá-la se me chamar ou tentar se levantar. Leio, gosto muito de ler e devoro em média um livro por mês, as vezes dois se forem menores do que 300 páginas.

Vou  me programar para sair com elas aos sábados ou domingo. São muitas horas trancada em casa e sair faz bem. A distrai e, apesar de toda a mão de obra com a cadeira de rodas, vale a pena ver o sorriso estampado em seu rosto.

O telefone já não toca mais. Evito ligar para não incomodar minhas amigas num dia de domingo. E elas não telefonam para não incomodar minha mãe. Fica tudo muito solitário. Não se tem ninguém para conversar sobre outros assuntos que não seja o Alzheimer. A necessidade de se ouvir uma voz é grande, virtualmente isso não se sustenta e, logicamente, minha mãe já não consegue manter um diálogo saudável e completo. Fala com dificuldades e muitas das coisas ditas não são compreendidas. Então sinto falta. Sinto muito falta mesmo.

Angela e minha mãe

sonequinha no sofá






TÍTULO: "VAMOS PRA CASA" OU "ME LEVA PRA CASA".

Quantas vezes já ouvi esse pedido. Mas que casa? Se nós moramos aqui. Como lidar com isso? Não sei. Parece um ciclo interminável. Tem a fase do querer dormir direto, ficando toda molinha, com risco de queda. A outra em que fica alerta o tempo todo e não consegue dormir, que andar pela casa, verificar portas e janelas, quer sair de qualquer maneira. Tem a fase do comer muito, bater um "pratão" e pedir sobremesas e a outra que não está com fome e fica o dia todo a base de suco, iogurte, um chá ou café. Tem a fase da menina". Cadê a menina? Que menina? Que raios de menina é essa? Será que sou eu quando criança? Alguém que ela conheceu quando era criança? Nossa! Tem a fase em que ela perdeu algo, por exemplo um vestido que nunca vi e que foi enterrado no quintal..... ela mesma enterrou. E que quer por que quer ir no quintal busca-lo. Moramos em apartamento, então isso deve ser coisa da época em que ela vivia na Espanha, uns 50 anos atrás. Tem a fase da pergunta, "onde está seu pai?", "Cadê meus pais?", "Você é casada?" "Tem filhos"? E a pior de todas: "Cadê minha filha?". Teve um sábado muito complicado, que ela quis ir a rua para me procurar. Acabei levando-a. na esperança de que acabasse se esquecendo durante o passeio. Demos a volta no quarteirão. Quando voltamos pra casa, ela não perguntou mais por mim.

Vivemos diariamente com uma novidade diferente dentro desde ciclo. Nunca sei como ela irá acordar. Geralmente, se levanta bem. O problema é a tardinha. O chamado Síndrome do Por do Sol. Comecei a gravar vídeos para mostrar ao médico o que estava acontecendo. Esses vídeos acabei colocando no YouTube, num canal que tinha criado para apenas guardar os vídeos familiares, muitos ainda analógicos. Aos poucos, o YouTube acabou virando uma ferramenta de contato com outros inscritos e se tornou o que é hoje. "Juana LLabres, Minha mãe tem Alzheimer".

Link do vídeo: https://youtu.be/D5kWMVMaXIc



Devido a artrose cronica, minha mãe tem muitas dificuldades para andar, mas ainda se levanta e, com ajuda, vai ao banheiro, senta na cama, para ser colocada e, durante todo o dia, é deslocada com a ajuda de uma cadeiras de rodas. O pior é quando ela teima em se levantar para ir até a porta, porque quer voltar pra casa. Pede muito isso, nos últimos meses. A porta tem trinco, que ela não alcança, e isso tem me ajudado muito. Nessas horas não adianta tentar impedir, só fico perto ajudando para ela não vir a cair. Quando não consegue abrir a porta, aceita ajuda para voltar para a sua cadeira de rodas e pede o telefone. Uma vez ligou para a "síndica", uma amiga se fez passar por ela, para reclamar que eu a estava prendendo dentro de casa, que não a alimentava fazia três dias e que nem banho estava dando. Outra vez foi para o irmão, que já é falecido faz uns 20 anos. Outra amiga, engrossou a voz e se passou por ele. Esse mesmo irmão já falou com ela umas três vezes, cada oportunidade, alguém me ajudou. O interessante é que se falaram em português nas duas últimas vezes, já que, segundo ela, seu irmão veio morar no Rio de Janeiro. E a polícia? Já quis ligar também. Essa até que foi uma conversa interessante. Pediu para eles virem me prender. Os primeiros vídeos gravados são desta época. Temos o vídeo numero 10 que já ultrapassou a marcar dos 50 mil visualizações (2019) e, ainda recebo muitos comentários, alguns elogiando e outras bem criticas. Mas de nada adianta explicar que aprendi no ensaio e erro.

Abrir e fechar gavetas, mexendo em suas coisas, descobrindo outras e rindo quando reconhece alguma saia ou blusa. Tira tudo das gavetas e deixa sob a cama, então, pede a mala. Pra quê, mãe? "Ora, vou levar tudo, é tudo meu, não é?" Nessas horas, ela quer voltar para a sua terrinha.

Ela sempre foi muito caseira, então sair de casa só nos momentos mais tranquilos, mas quando volta, parece que fica mais desorientada. Não sei se é o movimento da rua, ou outra coisa. Fica agitada, me chamando de 15 em 15 minutos. Quer ir pra sala e depois voltar pro quarto. E isso segue por algumas horas.Uma rotina que só acaba quando o cansaço vence. O dela.

Quando não reconhece a casa, tenho que levá-la por todos os cômodos, mostrando onde fica o banheiro, a cozinha, os quartos, sua nova cama e a minha, onde coloquei suas coisas, a TV e suas revisas, etc.

Depois esse ciclo se fecha e começa tudo outra vez.

Ontem esse ciclo recomeçou. Foram quatro horas de "Vamos pra casa". Imagina ter que convence-la de que seria bom que ela ficasse comigo e dormisse aqui. É de tirar qualquer um do sério. Durante quatro horas ela ficou se levantando da cadeira de rodas indo até a porta, que estava trancada com chave e trinco, sendo muito difícil dela abrir. Durante a tarde de ontem, foi um vai e vem e, que num determinado momento, levantou-se e foi até a varanda, também trancada, ameaçando-se se jogar. A sensação de ter que repetir nossa conversa, que ela já tinha esquecido, é de total incapacidade, de nulidade, frustração, de terror e de receio de se perder a paciência. Amo minha mão, e que convive comigo sabe bem disso, mas nesses momentos não há sangue de barata que aguente ver uma pessoa querer se jogar de uma janela sem se fazer nada. Se é uma ameaça ou não, não arrisco. Vou busca-la e, mais uma vez, a coloco em sua cadeira e seguro sua mão. Nova conversa. Ela acabou desistindo ou esquecendo e na hora de dormir, foi pra cama, cansada, e descansou a noite toda, Amanhã será um novo dia.


26 junho 2016

TÍTULO: UM RESUMO BEM PEQUENINO.

Minha mãe se chama Apolonia Mayol, chegou no Brasil em 1959. Veio morar com o marido, meu pai, Miguel Llabres, que tinha partido da Espanha em 1958 para se "fazer" no novo mundo 9 meses antes. Moraram em Botafogo, aos pés do Cristo, numa casa de cômodos, temporariamente. Essa casa era administrada por uma Espanhola que, alugou um quarto para meu pai. Sapateiro de profissão, montou uma portinha de consertos de calçados. A alta sociedade gostava do seu atendimento e do diferencial que era oferecido, sapatos combinando com os botões da roupa e bolsa forrada com o mesmo tecido. Com o tempo, alugaram  uma loja de esquina e um apartamento. Nasci nesse conjugado na Glória em 1961.







Em 1964, fui conhecer minha família, na Espanha, com minha mãe. Viagem de navio. Foram 17 dias de viagem, com parada obrigatória em Marrocos, segundo minha mãe, para reabastecer. Não me lembro de nada e poucas fotos existem. Pena que naquela época, a facilidade do Smartphone ainda não existia. Ficamos seis meses e voltei falando o idioma da região, o Malhorquino. Esqueci todo o português, que sempre foi um problema pra mim, na escola.

Mãe gravida de mim.
Eu e meu primo Miguel, em Mallorca.


Meus avós vindo para o Brasil.

Meus avôs maternos chegaram dois anos depois. Isso veio a dar uma força enorme para o meu pai que precisava de muita ajuda para montar sua fábrica de calçados. Como minha mãe, minha avó Catalina, também era pespontadeira de calçados e, ambas o ajudavam em casa. Meu avô ficava na recepção na fábrica. Eu mesma comecei a estagiar com 14 anos no escritório. saímos da Zona Sul e fomos para a Zona Norte quando a fábrica de calçados cresceu e não havia mais espaço por lá.
Estudei em Escola Municipal, que se tornou Estadual e, o antigo ginásio, numa Escola particular administrada por freiras. Me formei no Magistrado.

Por quê esse resumo? Para mostrar que minha mãe sempre foi uma pessoa forte e presente. Que as lutas que teve que enfrentar num país novo, aprender um novo idioma, longe da família, não foram fáceis. Ela teve muita coragem. Não sei se eu faria o mesmo.
Meus pais sempre foram muitos unidos. A sua morte foi um choque. A depressão que a culminou foi devastadora e a necessidade de estar junto a ela, para evitar que isso a matasse, foi simples. Simples e complicada ao mesmo tempo.
Por esse motivo cuido dela desde o final de 2003.
Quando chegou o Alzheimer, ele veio para me derrubar. Foi um choque. Mas isso vocês já sabem.







TITULO: DIA DAS BRUXAS.


Mamãe perdeu a prótese de baixo. Fiquei muito chateada. Como pode uma pessoa perder algo tão necessário? Procuramos essa "maledeta" dentadura que criou assas e sumiu. Reviramos a casa toda, eu e a Tatiana, que estava substituindo nossa anja Angela, num período de repouso pós cirúrgico. Mamãe sentada em sua poltrona na sala repetindo que não sabia onde estava a dentadura. Foram 3 dias de buscas. Onde vocês podem imaginar, olhamos mais de quatro vezes. Onde não se pode imaginar, mais de cinco. Abre gaveta, olha de baixo da cama, mexe nas revistas, no baú, no banheiro, atrás dos móveis, olha no lixo, puxa aqui, empurra lá. Com a dificuldade dela andar, não poderia estar muito longe dela. Mas, a onde? Não a encontramos. Não teve jeito. A leve ao dentista para fazer nova prótese.
Estávamos no ano de 2014, início de outubro.
O consultório dentário fica no mesmo bairro, no mesmo quarteirão, numa rua paralela. Por ser uma via movimentada, não tem como estacionar. O jeito é leva-la na cadeira de rodas, desviando dos buracos das calçadas.
Na última consulta, na prova final da prótese, infelizmente a roda dianteira da cadeira de rodas, ficou presa num desses buracos, em frente a uma padaria, bem na esquina da avenida principal, pertinho do consultório. Graças ao Bom Deus, minha mãe estava com o cinto de segurança e não caiu quando a cabeira quase tombou, pois a roda, ao ficar presa, quebrou.
Pedi ajuda a um funcionário deste estabelecimento, que estava no balcão conversando um um cliente. Ele não foi feliz ao dizer que a culpa era minha por levar minha mãe numa cadeira de rodas pela rua e que os pneus estavam vazios. O quê? O sangue espanhol de minhas veias ferveram e, como ainda estava segurando a cadeira para não tombar com o peso, ele acabou me ajudando, após vários pedidos. Ao me afastar, percebi que esse rapaz tinha retornado pata o balcão e, junto com o cliente, ficaram rindo. Percebi isso como uma ofensa e, sem deixar minha mãe, em sua cadeira de três rodas, perdi a cabeça e falei coisas que nem mesmo Deus acreditaria. O mesmo nem se dignou a me ajudar e ainda por cima estava rindo! Ao meu socorro, a caixa da padaria, veio e, com uma força descomunal, conseguimos guiar a cadeira até o consultório. Nem preciso falar que mamãe estava totalmente apavorada e, mesmo assim, fui em busca de alguém que pudesse me ajudar no retorno a casa. Seria impossível voltar daquela maneira. Chamei vários táxis que não pararam. Não são todos que aceitam levar uma cadeira de rodas. Dá trabalho. Acabei chegando a esquina, com dificuldades, a mesma esquina onde aconteceu o acidente. Pedi então pra falar com o responsável. Não vou citar nomes. Sou cliente dele há anos e ele me conhece, por ter sido também nosso vizinho e, tempos atrás, nosso inquilino. Ele já sabia o que tinha acontecido e defendeu o funcionário alegando que ele estava rindo de outra coisa. O mesmo já tinha se desculpado e esse assunto já estava enterrado. Eu só queria uma carona até em casa, pois seriam impossível levá-la daquela maneira. Após a recusa e a minha ameaça de chamar a polícia, ele acabou nos levando. Não antes de dizer que a responsabilidade da calçada quebrada era da Prefeitura e se eu desejasse colocar na justiça, que acionasse a Prefeitura. Sabe de nada inocente. para quem desconhece o assunto, a calçada é de responsabilidade do proprietário do imóvel e, cabe a Prefeitura fiscalizar.
A bruxa estava solta e o dia 31 de outubro ficou marcado.
No dia seguinte levei a cadeira de rodas para o conserto e, por R$ 420,00 reais, ela retornou como nova. Afinal de contas, é uma Jaguaribe. A metade, ele pagou, contrariado. Mas pagou, após um bom tempo me fazendo esperar, pois estava muito ocupado com o seu estabelecimento.
A dentadura custou caro.
Nunca mais a perdeu.
Pelo menos, até hoje. Até porque, não a usa mais e ela está bem guardada.







TÍTULO: CONTAR OU NÃO CONTAR.

Eu fiz uma opção. Não contar que ela está com Alzheimer.

Escondi essa situação por mais de um ano. Poucos sabiam. Ninguém do prédio em que vivemos, sabiam. Nem a família que mora na Espanha. Guardei tudo praticamente sozinha. Poucos amigos tinham esse conhecimento. Destes poucos amigos, alguns sumiram, outros só contato virtual pelas páginas de relacionamento, umas duas amigas permaneceram.. Ninguém vinha visitá-la. Isso começou a me incomodar e me vi cobrando delas uma coisa que também faria igual. Ninguém tem tempo para os problemas dos outros. Ninguém quer ficar escutando sobre a doença dos outros. Ninguém quer se aproximar do Alzheimer. É constrangedor a pessoa não a reconhecer. Não há uma conversa clara. Perguntas são feitas e não se sabe como responde-las. Há o constrangimento. Há a anulação. Quando se percebe, afastamos o doente e nem contato visual é feito. Alzheimer assusta.
Encontrava vizinhos pelas ruas que perguntava pela mãe eu respondia que estava tudo bem. Não, não estava. Ninguém perde um tempinho para escutar a resposta. A vida é muito corrida e todos nós temos compromissos sérios. Todos nós temos problemas e, com certeza, são maiores do que a dos outros.
Essa situação começou a me fazer mal.
Pedi ajuda.
Recebi como resposta, uma mensagem, ou duas dizendo para ter forças, orar, e ter fé.
Eu queria um abraço.
Fui buscar esse abraço em minha mãe.
Ela não sabia o por quê, mas demonstrou que estaria sempre disposta a dar e receber um abraço.

Fiquei muito tempo com uma raiva tão intensa que voltei a engordar. Tinha que saciar essa carência de alguma maneira.

Eu queria sair, ir ao cinema, ficar de papo pro ar com meus amigos, quem sabe, encontrar alguém interessante. Como assim? Quem, na sua lucidez irá se interessar em dividir o pouco tempo que tem com alguém que cuida de outra pessoa? Não acredito que exista. O meu tempo não é agora. Agora é o tempo de minha mãe. Quem quiser pode se chegar, seja uma amiga, um companheiro, seja um vizinho, seja lá quem for, minha casa estará aberta.

Foi então que tive um estalo.

Se pessoas que não vivem um Alzheimer em casa não conseguem entender o que é isso, deve existir outras pessoas que vivem a mesma situação. Como encontra-la?
Encontrei 7.670 pessoas numa página de relacionamento.

Então, eu não estou sozinha.

Ao postar minha primeira mensagem ao grupo, foi recebida com tanto carinho e por tantos que o abraço que tanto queria, veio em forma virtual. Hoje já consigo escrever dando apoio a aqueles que pedem socorro. Escrever. Por quê não? Não ter vergonha e enfrentar esse medo, de peito aberto. Aproveitar esses momentos de lucidez e estar com ela. Dar e receber um carinho, filmar, fotografar, conversar, beijar, acarinhar e, acima de tudo, entende-la. Então é assim que a gente aceita a doença?

Antes disso, resolvi contar para a família que vive na Espanha. Foi no dia das mães 2016. Postei uma foto dela declarando o meu amor e informando sobre o Alzheimer.

Escrevi
"Amanhã é o dia oficial. Sei que minha mãe nem vai saber e eu terei que lembra-la várias vezes neste domingo. Talvez ela nem saiba quem sou eu. Mas receberá meu carinho e perguntará por mim. Dormirá a maior parte do dia e a noite chamará por meu pai. Pedirá que a leve pra casa e irá separar umas coisinhas pra levar. Irá esquecer que passamos mais um dia juntas e reclamará que fiquei na rua o dia todo. Minha mãe tem Alzheimer. E cada dia é um dia diferente tentando suprir suas necessidades. Mesmo que ela não se lembre eu estarei ao seu lado, lembrando por ela. Escrever isso me foi difícil, pois há um ano e meio que recebi esse diagnóstico. Ainda dói. Mas resolvi dividir. Quem sabe fica mais fácil. Amanhã também será o meu dia, pois agora sou mãe de minha mãe."

Como esperado, a reação foi de surpresa. Ninguém espera isso dentro da família, só nas outras famílias. Recebi lindas palavras de apoio e comentários motivadores. Hoje, ao reler essas mensagens, ainda me vem lágrimas,  

Depois veio o silêncio.



25 junho 2016

TÍTULO: MÃE DE MINHA MÃE


Hoje sou sua mãe
Te cuido com carinho
Alento o teu sono
Construo pontes pelo caminho.

Sou seu sim e seu não.
Seu apoio e seu imã.
Num abraço apertado
escondo minha vida.

Hoje sou sua mãe
Não poderia ser diferente.
Só os escolhidos o fazem
enfrentando o medo.

Sou aquela que sorri
quando você se perde.
Sou teu chão
sua fortaleza.

Hoje sou sua mãe.
Tão simples assim.
Não há outra opção
que me faça mais feliz.

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Não há amor maior que una esse sentimento entre mãe e filha. Já me perguntaram, diversas vezes, por que não a coloco numa casa de repouso ou ILPI.  Simples. Porque quero ficar com ela o máximo de tempo que puder, para que ela possa se lembrar deste sentimento que é o amor que nos une. Sei que um dia ela não irá me reconhecer, mas saberá que a amo, que tem alguém perto dela, com ela. Esse sentimento pode ser egoísta, eu sei. A quero ao meu lado. O dia que não puder mais cuidar dela, talvez eu pense nisso. Ainda não sei. Mas, uma certeza é certa, não é agora.
































TÍTULO: SIMPLES ASSIM.

Abri mão de minha vida. Não tenho vida social, Sou divorciada e não tive filhos. Não sei como seira se fosse casada com um, dois ou mais filhos para cuidar, além da minha mãe. Abri mão de muitas coisas e não me arrependo. Quando meu pai veio a falecer em outubro de 2003, eu morava na minha própria casa, sozinha. Tinha terminado minha segunda pós e trabalhava na área de Recursos Humanos. Sou Psicologa. Ele faleceu após um ataque cardíaco. Foram 3 dias de internação no CTI do Hospital de Laranjeiras. Fomos visita-lo no horário permitido, das 12 h as 13 h. Nesta época, minha mãe já estava com artrose e andava com o auxílio de uma bengala. Foram dias horríveis, de incertezas. Os médicos não davam muita esperanças e, quase nada falavam. Eu não sabia como agir. Minha mãe se encontrava abatida e ficava ao lado dele todo o tempo que lhe era permitido. Na véspera de sua morte, meu pai reagiu ao ouvir minha voz. O médico disse que era um espasmo muscular nas pálpebras. Quero acreditar que não foi isso que aconteceu, ele reagiu e tentou se comunicar comunicar. Tanto que o coração disparou e as máquinas começaram a apitar e meu pai também mexeu a boca. Houve um corre corre de enfermeiros e médicos, que me afastaram do lado dele e deram mais uma dose de tranquilizantes. Estava em coma induzido. Foi neste momento que peguei em sua mão e prometi que cuidaria de minha mãe. Ele poderia partir sem nenhuma dúvida quanto a isso. O liberei. No dia seguinte ele se foi, as 9h da manhã, numa manhã de sábado.
Uma semana antes, meu pai, que sempre via tomar o café da manhã em minha casa, pediu para que eu sentasse com ele na sala. Queria me pedir uma coisa. Era sábado, perto das 7 horas da manhã. Me lembro como se fosse hoje. Ele, com uma xícara de café na mão, olhando-me com seus olhos azuis, pediu que eu prometesse que, se algo ocorresse com ele e, fosse necessário uma internação, que não permitisse que fosse entubado, ligado a máquinas.
Lógico que retruquei que tudo aquilo era um absurdo. Que nada iria acontecer com ele tão cedo. Mas, após uma longa insistência, prometi. Como se promete algo contra a vida? Também me pediu para cuidar da minha mãe na sua falta. Prometido. Ele foi fazer sua caminhada diária e fiquei observando seu caminhar. Me pareceu tão cansado, abatido, curvado, lento. Mal imaginava que poucos dias depois ele teria um enfarto.
Então, o que quero dizer é que a opção de cuidar de minha mãe veio antes mesmo da doença se manifestar. Não foi fácil. Foi feito. Pedi demissão do meu trabalho. Aluguei meu apartamento, vendi muito dos móveis, doei outros e me mudei para o apartamento de minha mãe, que fica no mesmo prédio. Voltei para o meu antigo quarto, o de solteira, que ela mantinha igual.
Minha mãe estava com depressão e com pensamentos fortes de suicídio. Não dava pra deixa-la muito tempo sozinha. Assumi os negócios de meu pai e acabei deixando meus trabalhos como autônoma de lado.
Simples assim.
Até que no final de 2010 nossas vidas mudaram para sempre. De novo.