TÍTULO: "VAMOS PRA CASA" OU "ME LEVA PRA CASA".
Quantas vezes já ouvi esse pedido. Mas que casa? Se nós moramos aqui. Como lidar com isso? Não sei. Parece um ciclo interminável. Tem a fase do querer dormir direto, ficando toda molinha, com risco de queda. A outra em que fica alerta o tempo todo e não consegue dormir, que andar pela casa, verificar portas e janelas, quer sair de qualquer maneira. Tem a fase do comer muito, bater um "pratão" e pedir sobremesas e a outra que não está com fome e fica o dia todo a base de suco, iogurte, um chá ou café. Tem a fase da menina". Cadê a menina? Que menina? Que raios de menina é essa? Será que sou eu quando criança? Alguém que ela conheceu quando era criança? Nossa! Tem a fase em que ela perdeu algo, por exemplo um vestido que nunca vi e que foi enterrado no quintal..... ela mesma enterrou. E que quer por que quer ir no quintal busca-lo. Moramos em apartamento, então isso deve ser coisa da época em que ela vivia na Espanha, uns 50 anos atrás. Tem a fase da pergunta, "onde está seu pai?", "Cadê meus pais?", "Você é casada?" "Tem filhos"? E a pior de todas: "Cadê minha filha?". Teve um sábado muito complicado, que ela quis ir a rua para me procurar. Acabei levando-a. na esperança de que acabasse se esquecendo durante o passeio. Demos a volta no quarteirão. Quando voltamos pra casa, ela não perguntou mais por mim.
Vivemos diariamente com uma novidade diferente dentro desde ciclo. Nunca sei como ela irá acordar. Geralmente, se levanta bem. O problema é a tardinha. O chamado Síndrome do Por do Sol. Comecei a gravar vídeos para mostrar ao médico o que estava acontecendo. Esses vídeos acabei colocando no YouTube, num canal que tinha criado para apenas guardar os vídeos familiares, muitos ainda analógicos. Aos poucos, o YouTube acabou virando uma ferramenta de contato com outros inscritos e se tornou o que é hoje. "Juana LLabres, Minha mãe tem Alzheimer".
Link do vídeo: https://youtu.be/D5kWMVMaXIc
Devido a artrose cronica, minha mãe tem muitas dificuldades para andar, mas ainda se levanta e, com ajuda, vai ao banheiro, senta na cama, para ser colocada e, durante todo o dia, é deslocada com a ajuda de uma cadeiras de rodas. O pior é quando ela teima em se levantar para ir até a porta, porque quer voltar pra casa. Pede muito isso, nos últimos meses. A porta tem trinco, que ela não alcança, e isso tem me ajudado muito. Nessas horas não adianta tentar impedir, só fico perto ajudando para ela não vir a cair. Quando não consegue abrir a porta, aceita ajuda para voltar para a sua cadeira de rodas e pede o telefone. Uma vez ligou para a "síndica", uma amiga se fez passar por ela, para reclamar que eu a estava prendendo dentro de casa, que não a alimentava fazia três dias e que nem banho estava dando. Outra vez foi para o irmão, que já é falecido faz uns 20 anos. Outra amiga, engrossou a voz e se passou por ele. Esse mesmo irmão já falou com ela umas três vezes, cada oportunidade, alguém me ajudou. O interessante é que se falaram em português nas duas últimas vezes, já que, segundo ela, seu irmão veio morar no Rio de Janeiro. E a polícia? Já quis ligar também. Essa até que foi uma conversa interessante. Pediu para eles virem me prender. Os primeiros vídeos gravados são desta época. Temos o vídeo numero 10 que já ultrapassou a marcar dos 50 mil visualizações (2019) e, ainda recebo muitos comentários, alguns elogiando e outras bem criticas. Mas de nada adianta explicar que aprendi no ensaio e erro.
Abrir e fechar gavetas, mexendo em suas coisas, descobrindo outras e rindo quando reconhece alguma saia ou blusa. Tira tudo das gavetas e deixa sob a cama, então, pede a mala. Pra quê, mãe? "Ora, vou levar tudo, é tudo meu, não é?" Nessas horas, ela quer voltar para a sua terrinha.
Ela sempre foi muito caseira, então sair de casa só nos momentos mais tranquilos, mas quando volta, parece que fica mais desorientada. Não sei se é o movimento da rua, ou outra coisa. Fica agitada, me chamando de 15 em 15 minutos. Quer ir pra sala e depois voltar pro quarto. E isso segue por algumas horas.Uma rotina que só acaba quando o cansaço vence. O dela.
Quando não reconhece a casa, tenho que levá-la por todos os cômodos, mostrando onde fica o banheiro, a cozinha, os quartos, sua nova cama e a minha, onde coloquei suas coisas, a TV e suas revisas, etc.
Depois esse ciclo se fecha e começa tudo outra vez.
Ontem esse ciclo recomeçou. Foram quatro horas de "Vamos pra casa". Imagina ter que convence-la de que seria bom que ela ficasse comigo e dormisse aqui. É de tirar qualquer um do sério. Durante quatro horas ela ficou se levantando da cadeira de rodas indo até a porta, que estava trancada com chave e trinco, sendo muito difícil dela abrir. Durante a tarde de ontem, foi um vai e vem e, que num determinado momento, levantou-se e foi até a varanda, também trancada, ameaçando-se se jogar. A sensação de ter que repetir nossa conversa, que ela já tinha esquecido, é de total incapacidade, de nulidade, frustração, de terror e de receio de se perder a paciência. Amo minha mão, e que convive comigo sabe bem disso, mas nesses momentos não há sangue de barata que aguente ver uma pessoa querer se jogar de uma janela sem se fazer nada. Se é uma ameaça ou não, não arrisco. Vou busca-la e, mais uma vez, a coloco em sua cadeira e seguro sua mão. Nova conversa. Ela acabou desistindo ou esquecendo e na hora de dormir, foi pra cama, cansada, e descansou a noite toda, Amanhã será um novo dia.