TÍTULO: CONTAR OU NÃO CONTAR.
Eu fiz uma opção. Não contar que ela está com Alzheimer.
Escondi essa situação por mais de um ano. Poucos sabiam. Ninguém do prédio em que vivemos, sabiam. Nem a família que mora na Espanha. Guardei tudo praticamente sozinha. Poucos amigos tinham esse conhecimento. Destes poucos amigos, alguns sumiram, outros só contato virtual pelas páginas de relacionamento, umas duas amigas permaneceram.. Ninguém vinha visitá-la. Isso começou a me incomodar e me vi cobrando delas uma coisa que também faria igual. Ninguém tem tempo para os problemas dos outros. Ninguém quer ficar escutando sobre a doença dos outros. Ninguém quer se aproximar do Alzheimer. É constrangedor a pessoa não a reconhecer. Não há uma conversa clara. Perguntas são feitas e não se sabe como responde-las. Há o constrangimento. Há a anulação. Quando se percebe, afastamos o doente e nem contato visual é feito. Alzheimer assusta.
Encontrava vizinhos pelas ruas que perguntava pela mãe eu respondia que estava tudo bem. Não, não estava. Ninguém perde um tempinho para escutar a resposta. A vida é muito corrida e todos nós temos compromissos sérios. Todos nós temos problemas e, com certeza, são maiores do que a dos outros.
Essa situação começou a me fazer mal.
Pedi ajuda.
Recebi como resposta, uma mensagem, ou duas dizendo para ter forças, orar, e ter fé.
Eu queria um abraço.
Fui buscar esse abraço em minha mãe.
Ela não sabia o por quê, mas demonstrou que estaria sempre disposta a dar e receber um abraço.
Fiquei muito tempo com uma raiva tão intensa que voltei a engordar. Tinha que saciar essa carência de alguma maneira.
Eu queria sair, ir ao cinema, ficar de papo pro ar com meus amigos, quem sabe, encontrar alguém interessante. Como assim? Quem, na sua lucidez irá se interessar em dividir o pouco tempo que tem com alguém que cuida de outra pessoa? Não acredito que exista. O meu tempo não é agora. Agora é o tempo de minha mãe. Quem quiser pode se chegar, seja uma amiga, um companheiro, seja um vizinho, seja lá quem for, minha casa estará aberta.
Foi então que tive um estalo.
Se pessoas que não vivem um Alzheimer em casa não conseguem entender o que é isso, deve existir outras pessoas que vivem a mesma situação. Como encontra-la?
Encontrei 7.670 pessoas numa página de relacionamento.
Então, eu não estou sozinha.
Ao postar minha primeira mensagem ao grupo, foi recebida com tanto carinho e por tantos que o abraço que tanto queria, veio em forma virtual. Hoje já consigo escrever dando apoio a aqueles que pedem socorro. Escrever. Por quê não? Não ter vergonha e enfrentar esse medo, de peito aberto. Aproveitar esses momentos de lucidez e estar com ela. Dar e receber um carinho, filmar, fotografar, conversar, beijar, acarinhar e, acima de tudo, entende-la. Então é assim que a gente aceita a doença?
Antes disso, resolvi contar para a família que vive na Espanha. Foi no dia das mães 2016. Postei uma foto dela declarando o meu amor e informando sobre o Alzheimer.
Escrevi
"Amanhã é o dia oficial. Sei que minha mãe nem vai saber e eu terei que lembra-la várias vezes neste domingo. Talvez ela nem saiba quem sou eu. Mas receberá meu carinho e perguntará por mim. Dormirá a maior parte do dia e a noite chamará por meu pai. Pedirá que a leve pra casa e irá separar umas coisinhas pra levar. Irá esquecer que passamos mais um dia juntas e reclamará que fiquei na rua o dia todo. Minha mãe tem Alzheimer. E cada dia é um dia diferente tentando suprir suas necessidades. Mesmo que ela não se lembre eu estarei ao seu lado, lembrando por ela. Escrever isso me foi difícil, pois há um ano e meio que recebi esse diagnóstico. Ainda dói. Mas resolvi dividir. Quem sabe fica mais fácil. Amanhã também será o meu dia, pois agora sou mãe de minha mãe."
Como esperado, a reação foi de surpresa. Ninguém espera isso dentro da família, só nas outras famílias. Recebi lindas palavras de apoio e comentários motivadores. Hoje, ao reler essas mensagens, ainda me vem lágrimas,
Depois veio o silêncio.
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