Falar com a Tv, nos dias de hoje, é como falar sozinho. Quem já não o fez? Quantas vezes nossos pais ou companheiros, reclamam com o juiz de futebol ou, nas novelas, reclamamos com os personagens? Tem ainda aqueles que nos filmes de terror, gritam com a vítima para que saiam daquele lugar. Pois bem, minha mãe falava com a TV e, pensava que lhe respondiam. Conversas que a animavam e outras, a deixavam muito chateadas, a ponto de chorar. Até aí tudo bem. Se isso não fosse, além de estranho, constante.
Depois começou a ter dificuldades para usar o celular. Esquecia-se de como clicar na tecla rápida, onde estava gravado o meu numero ou de desligar o celular. Nada tão complicado, mas anda esperado, pois a tecnologia não nasceu com ela e muitas das pessoas possuem esta dificuldade em operar celulares ou computadores.
Um dos problemas que surgiram foi a parte monetária, ela começou a demonstrar dificuldades em manusear o dinheiro, a fazer contas, dar troco, reconhecer as cédulas. Minha mãe nunca foi de usar cartão bancário, tudo era na mão, a vista. Encontrei depois de um bom tempo, dinheiro escondido no guarda roupa e em outros locais.
Ela usava muito o calendário para marcar os dias os seus compromissos e começou ta,bém a fazer confusão com essas datas, rasurando muito este calendário, para no fim das contas, começar a contar tudo de novo. Eu me sentava junto dela e mostrava como fazer.... no final desistia e a deixava em paz com suas contas.
Mas, quando ela começou a usar o relógio ou o pente para ligar a Tv em vez do controle remoto, a situação ficou muito estranha.
Estávamos no meio do ano de 2014.
Desde que minha mãe se recuperou de uma cirurgia, que quase a levou a morte, em 2010, para ser mais exata, dia 28 de outubro, ela retornou confusa do hospital. Foram 32 dias, sendo que mais de 10 dias num CTI. Ao relatar isso ao médico, ele me disse que essa confusão foi causada pelo tempo em que ficou internada e, é muito comum ocorrer com idosos e com, o passar dos dias, ela voltaria ao normal.
E voltou. Foi o que pensei.
Pra vocês entenderem como tudo aconteceu, foi fazer um resumo.
Após a festa de Nossa Senhora Aparecida, minha mãe se sentiu mal. Ela sempre teve o hábito de tomar remédios para ajudar na eliminação de fezes. Remédios esses, não controlados, que abusava. Ao ir ao banheiro, correndo, ela acabou caindo em casa e sentiu muita dor. Associamos isso as cólicas. Acabei levando-a a emergência que não viu nada de mais.
Com o passar dos dias, essa dor foi aumentando e fomos mais 3 vezes a emergência que diagnosticou nervo ciático, prescrevendo anti-inflamatórios. Cada vez que que a levava, a receita mudava, mas o diagnóstico não.
Durante o período de 15 dias, chamei a ambulância em casa que administrou injeções de anti-inflamatórios e outro para a dor. Acalmava por umas poucas horas e tudo começava outra vez. Foram dias intermináveis, onde ela não conseguia dormir a noite toda e, isso acabou influenciando na alimentação, que se recusava a ingerir. Imagina a cena, ela não queria comer e tomava muitos remédios para a dor. Recusava sucos e até mesmo água. Eu já estava no máximo, estressada, com medo, sem saber o que fazer. Liguei para os médicos dela e todos diziam para levá-la a emergência. Fui o que fiz e nada. Chegou-se ao ponto dela não conseguir mais sentar. A dor era tanta que ficava deitada todo o tempo.
Até que.....
Na madrugada de do dia 28 de outubro, mamãe me chamou gritando de tanta dor. O estomago dela estava alto, vermelho e quente. A ambulância chegou as 5h, depois de 2 horas intermináveis de espera. Fomos direto para o hospital. Era caso de cirurgia, com risco de rompimento do intestino.
Foram as piores horas da minha vida.
Só sei que, ao chegarmos na emergência do hospital, era troca de turno. Quando, finalmente, fomos atendidas, ela foi encaminhada para exames, que vieram a comprovar que algo tinha se rompido mas, ainda não sabiam se era intestino ou estomago, pois sua barriga estava cheia de algo que impedia melhor visualização. Pediram que fosse em casa, buscar roupa e pertences pessoais, pois minha mãe seria internada e um cirurgião fora convocado. Ao chegar em casa, o medico ligou pedindo autorização para opera-la, que o caso era de vida ou morte e que não daria tempo do meu retorno ao hospital para assinar os documentos de autorização. Ele estava pronto e sua equipe na sala de cirurgia.
Uma amiga me acompanhou, Conceição. Nem sei como agradecer essas longas horas que passamos juntas na recepção do hospital. Ela foi o meu apoio.
A cirurgia foi um sucesso e, quando o médico me deu esta resposta tão desejada, o abracei chorando feito uma criança, de tanta alegria por Deus ter me atendido. Contou-me que a cirurgia durou 1h e 30 min e que o problema fora no estomago. Afirmando que são poucos que conseguem sobreviver a uma situação desta, me parabenizando pelo pronto atendimento. Confesso que não escutei mais nenhuma palavra do que ele me disse. Tudo isso me foi relatado depois, pela Conceição, que não me deixava nenhum minuto.
Ficamos "internadas", digo isso porque fiquei com ela todo o tempo, 32 dias. Sendo que 11 dias no CTI e o resto no quarto. Não dormia no hospital, por ter que retornar a casa e cuidar de outros afazeres. Mas, todos os dias, estava entre 8 h ou um pouco mais, no quarto com ela, saindo por volta das 19 hs. Enfrentava o transito para ir e para volta. Era mais de uma hora que levava para chegar ao hospital.Uma verdadeira tortura, pois não tinha notícia dela durante toda a noite e ficava passando mil coisas pela minha cabeça. A ajudava no banho, na alimentação e procurando distraí-la de todos os inconvenientes. Como todo hospital, o idoso tem seus risco de infecção, e uma pneumonia, uma infecção nos rins e trombo na virilha foram resultados destes 32 dias internada.
Ao retornar para casa, ela não reconheceu o quarto. Não reconhecia as pessoas que vinham visita-la. Não sabia com quem falava ao telefone e, tudo para ela era novidade, novo, diferente. Ficou assim durante uns dias.
Devido a trombo, uma semana depois, medicada com Marevan, houve um rompimento de vasos internos que saíram pelas fezes. Nunca irei me esquecer do odor. Ainda bem que eu não estava sozinha. Um enfermeiro contratado, vinha de manhã, todos os dias, para dar o banho nela e, quando necessário, aplicar um Enema, ajudando na evacuação. Neste dia, as fezes vieram com sangue. Em casa também estava a Vera, nossa auxiliar semanal, uma amiga de muitos anos, Jesuíta e a Conceição de todas as horas. Era muito sangue e, por mais de duas vezes, quase desmaiou. O enfermeiro ficou ao seu lado, socorrendo-a. Foi o que a salvou.
Não sei se isso acontece com outras pessoas, mas penso que sim. Quando fico aflita, com medo, diante de uma situação de estrese, fico muito agitada e preciso liberar a adrenalina. Minha mãe no banheiro com o enfermeiro, que a socorria, a Vera, limpando todo aquele sangue e trocando os lençóis, minhas duas amigas na sala rezando e eu, fui fazer café. Isso mesmo, fui a cozinha fazer um café que ninguém bebeu. Eu tinha que fazer alguma coisa. Precisava me ocupar.
Liguei para o médico dela que providenciou uma ambulância e a sua internação num hospital mais perto de casa. Mais uma vez ficou internada no CTI, por 3 dias e outros 8 no quarto, aguardando sua estabilização, para um exame de colonoscopia. Por não haver vaga em um quarto individual, ela dividiu com outra paciente, num quarto de enfermaria, amplo e bem arejado. Fiquei sentada numa cadeira de escritório ao lado dela, todos os dias.
Por ser dezembro e por ela estar bem, recebeu alta na véspera do Natal.
Foi um Natal diferente. Meu presente estava em casa dormindo.
Enquanto a noite de ano novo, passei em claro. Ela ficou muito agitada e não conseguia dormir, nem com os remédios.
Mas, nem tudo foi tranquilo. Em março, em plena semana de carnaval, minha mãe foi novamente internada com suspeita de embolia pulmonar. Outra vez CTI por 2 dias. Foi apenas um susto e ficamos mais uma noite no quarto do hospital para servos liberadas no dia seguinte.
Como vocês devem saber, a liberação do CTI para um quarto só ocorre com a presença de um familiar e, como filha única, o fato ocorreu no horário da visita. Descemos para este quarto e tive que ir em casa buscar seus pertences e uma roupa para poder dormir com ela. Levei uma média de 1h30 minutos entre ir e voltar, encontrando-a amarrada na cama, gritando em plenos pulmões e a equipe de enfermagem, em sua sala, conversando. O sangue me subiu e a desamarrei. Levei as amarras até esta sala e chamei a atenção delas, pois não tinha autorizado essa conduta na qual me responderam que mamãe estava muito agitada e com risco de queda e já que não tinha ninguém com ela, decidiram imobiliza-la. Recolhi meus pedaços e fui para o quarto acalma-la.
Durante os quatro primeiros meses, após as internações, ela estava muito confusa, fraca, sem tomos muscular, não andava, pouco comia e parecia que estava minguando a cada dia. Não dormia a noite, queria uma luz acessa e me chamava de 5 em 5 minutos. Tinha medo de morrer dormindo. Quando muito, conseguia cochilar por meia hora. Tinha noites que eu ficava tão desesperada, que acabava perdendo a paciência, sem entender o que estava acontecendo. Afinal de contas, eu só conseguia dormir numa média de 1 h 30 min por noite, sem puder cochilar durante o dia, devido outras tarefas de minha responsabilidade. Foram dias terríveis, na qual ela tentava levantar e acabava caindo. Não conseguia ficar com ela 24 horas por dia e a pouca ajuda que tinha, acabava não retornando. Nesses quatro meses, a levei a emergência, devido as quedas, mais de seis vezes. Cada ida, uma tomografia e horas de espera. Para a agitação noturna e a falta de sono dela, tentei de tudo. Fomos a diversos médicos, neurologistas, geriatras e cheguei a agendar um horário com uma psiquiatra. Até que um dia, final de abril, me indicaram uma geriatra que ficava na Tijuca. Ela foi o anjo que faltava nas nossas vidas e naquela noite, mamãe dormiu direto até as 4 horas da manhã. Com o passar dos dias, as noites foram ficando mais tranquilas e a rotina de dormir retornou ao normal.
Mamãe voltou a se alimentar e, com a fisioterapia (com Antonio e depois com a Ivana, hoje com a Rosana Ferreira), duas vezes na semana. o tomos muscular foi reforçado. Ela voltou a andar com muletas nesse primeiro ano e, a se interessar com programas religiosos, revistas de viagens, a rezar o terço diariamente, a receber a Comunhão em casa com Dna Maria José (hoje também com Alzheimer), aceitando fazer pequenos passeios nos shopping. Ela era outra pessoa.
No dia 8 de fevereiro, contratei uma pessoa para me ajudar em casa, Jerusa. Outro anjo que veio quase todas as semana foi Jesuíta, uma amiga de muitos anos. Sempre sorrindo, brincando, animada, procurando fazer companhia a mãe. Não tenho palavras para agradecer, pois neste período tão conturbado, ela teve pneumonia, de novo.
As tomografias já apresentavam um desgaste natural que o neuro disse ser característico da idade. Pediu apenas para observar mudanças no comportamento. Não entendi na época. Ele estava tentando me dizer que possivelmente minha mãe iria desenvolver alguma demência. Leiga, não perguntei, não fiz perguntas e me omiti.
Ontem comecei a filmar os vídeos, por 2 motivos: primeiro para a ter sempre ao meu lado e, segundo, para mostrar como é a doença no dia a dia, mostrando a realidade. Meu amor por ela é incondicional.
Link do vídeo: https://youtu.be/F916dD3uJJ4
Fotos da segunda internação: Dezembro de 2010
Lucinda Coelho
Jesuíta
Conceição, Vera e Jesuíta
Nenhum comentário:
Postar um comentário