TÍTULO: CONFUSÕES A PARTE.
Enquanto escrevo esse blog, mamãe dá um grito no quarto e, assustada, corro. Ela me olha bem nos olhos e diz, desesperadamente com as mãos na cabeça. "Meus pais estão mortos"? Fiquei conversando com ela, procurando acalma-la. Então, resolvemos dar uma volta pelo bairro. Ultimamente isso tem sido comum essas confusões. Tem perguntado muito pela menina. Que menina, pergunto de volta e, acabo descobrindo que essa menina sou eu, que ela tem uns 8 anos de idade e vive com o pai, ou seja, seu esposo, meu pai.
Muitas das vezes não sei o que fazer ou responder. Se entro nas fantasias dela ou se falo a verdade. Então escolho a terceira opção, mudo de assunto. As vezes dá certo e ela acaba esquecendo, outras não. Insiste em perguntar. Fica olhando o vazio e me olha meio de lado, colocando as mão juntinhas e me dizendo "por favor" ou "por quê"? Tento entender, mas essa doença fala e como fala. Muitas das vezes nem entendo o que diz. Tento adivinhar por ensaio e erro. É uma mistura do dialeto com português e outras línguas não faladas. Então, ela se aborrece e desiste. Insisto. E ficamos nessa conversa indecifrável.
Quem vive com alguém que tem Alzheimer sabe que a doença se manifesta mais ao entardecer. Com minha mãe não é diferente. Ela acorda bem. Fala bem. Come sozinha o seu café da manhã. Dou o seu banho. Fica na sala com a TV ligada no seu programa religioso preferido ou na missa. Pega uma revista ou outra para olhar as figuras. Já não consegue ler, escrever e assinar seu próprio nome. Fixa o olhar perdido pela janela com os seus pensamentos. Almoça e depois vai dormir um pouquinho. Muitas das vezes, ao se levantar, os transtornos ficam mais evidentes. A noite é pior. Não consegue se expressar, formar frases e as palavras saem com muita dificuldade, quando saem. Procuro deixa-la se alimentar sozinha, mesmo se ensujando, parece uma criança com babador. Fico ao seu lado e todos os seus utensílios são de plástico. Não mexe mais com faca. Só garfo e, na maioria das vezes, colher. No café da manhã, leva uma hora para se alimentar. Come bem devagar, sem pressa, enquanto eu cuido dos nossos passarinhos. O mesmo acontece com o almoço. Aproveito para conversar com ela. Muitas das vezes falo sozinha e ela apenas fica com o olhar vago. Nem sei me escuta.
Não sei onde seu pensamento vai ou se existe algum. Bem que gostaria de entender, mas ela não sabe me dizer. Alias, perguntas são difíceis de compreender. Procuro dar sempre duas opções para escolha dela. Assim fica mais fácil. Perguntas com respostas monossilábicas não a estressam. Se a conversa fica muito cansativa, sai concordando com tudo pra acabar logo. Na maioria das vezes, nem sabe do que foi que concordou. O silêncio, o isolamento são suas melhores companhias. Prefere assim. Me quer por perto a maioria do tempo, mas quieta. Basta ela me ver pertinho que se sente segura. Não ouve mais música, cd's, não assiste filmes (quando faz, não vê o final), são muito complexos. Gostava de ver desenhos, agora nem isso.
Procuro dizer a mim mesma que a doença fala. Não é a minha mãe. Então, não fique chateada, ofendida, magoada, com raiva e com medo. É a doença que está se manifestando.
Uma maneira que encontrei para distrai-la e manter o cognitivo ativo foi ofertar revistas que ela gostasse de manusear. Revistas de viagens por exemplo. Percebi que ela marcava algumas páginas e sempre voltava a elas. Percebi também que ela olhava algumas imagens de flores, lugares, navios, animais e outras tantas. Ofereci uma tesoura sem ponta, cola, papel A4, algumas pastas coloridas e sugeri que ela recortasse essas figuras e montasse álbuns. Pedi a amigos que me desses suas revistas velha para ela recortar. Assim foi feito. Ela guardava esses recortes em envelopes, etiquetados, bem organizados por ela. Passava toda a manhã fazendo isso. Parava apenas na hora da oração. Tenho várias pastas que foram montadas nesse período.
Vou demorar um pouco de ler todo esse processo que é muito triste e lindo ao mesmo tempo. Mas tô aqui Juana sou sua seguidora e me sinto acolhida por vc. Obrigada.
ResponderExcluirEu que agradeço de ter vc por aqui TB. A história é de superação.
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