Mês de Natal e festas de final de Ano. Só consegui montar a árvore no dia 23. Sem clima. Parece que quando mais problemas se tem, mas aparecem. Tive um mês muito corrido e sem tempo para pensar no problema maior. Ainda bem.
Finalmente tive coragem para falar sobre o assunto com algumas poucas amigas. Sem fôlego, entre lágrimas, ainda negando tudo, consegui contar. A reação foi a mesma: incredulidade. Afinal de contas, minha mãe sempre foi uma pessoa alegre, vaidosa, forte e, era ela quem cuidava da casa e da família. A matriarca.
Hoje sei que muitas destas pessoas, a quem contei o problema, acabaram se afastando. Ninguém que ouvir problemas dos outros. O medo faz parte da vida e ficar escutando, o tempo todo, sobre o Alzheimer, é muito difícil. Se não ouvir, se não souber, não irá acontecer em minha casa. Essas coisas acontecem com os outros e nunca com a gente. Eu mesma, não conheço mais ninguém que tenha Alzheimer. Confesso que nem sabia escrever esta palavra.
O Alzheimer assusta, até parece que é contagiosa.
Com o diagnóstico feito, comecei a observar melhor as atitudes de minha mãe, que antes pareciam ser "manias de velha", idade senil..
Sua fixação, nesta época, era com um programa religioso da TV, na qual ela participava diariamente, com fervor e, fazia suas doações mensais através de boletos que eram recebidos em casa via correio, de Goias. Conversava com o Padre e acreditava, piedosamente, que ele também falava com ela e a escutava. A medida que essas doações ocorriam, elas foram aumentando o valor, por desejo dela. A ponto de ter que me intrometer, pois, se deixasse, ela doaria toda a sua aposentadoria. Chegou ao ponto de querer me acompanhar ao banco para ter a certeza de que essas doações estavam sendo feitas, no valor combinado. Tal ponto era o nível de angustia, que duvidava deste pagamento, mesmo tendo ido ao banco comigo e tendo em mãos o boleto quitado. Não é fácil levar uma pessoa que está numa cadeira de rodas, por estas calçadas mal cuidadas. E, dentro do banco, eu sentia vergonha dela estar doente. Ela gritava, falava coisas que me magoava, desconfiava de mim e dizia que eu a estava roubando. As pessoas olhavam e cochichavam, outras riam disfarçadamente e eu sentia que como se uma seta apontasse a minha a culpa por não ter percebido a doença antes, uma seta vermelha e reluzente sobre a minha cabeça. Ninguém mais poderia saber. Eu escondia o Alzheimer de minha mãe.
Houve antes desta época, discussões sobre essas doações, eram mensais. Isso antes mesmo de saber qual era o problema. Sabia que tinha alguma coisa acontecendo, mas nunca imaginei o tamanho dele. Toda vez que ela recebia a carta mensal do programa, com o boleto, eu já sabia. No dia seguinte era fatal. Não pela doação. Mas pelo modo que estava acontecendo. Minha mãe não tinha mais noção do valor de cada cédula e, R$ 100,00 reais para era igual a uma nota de R$ 1,00. Eu ficava apavorada com os sinais e negava. Houve vezes que ela tentou ir sozinha ao banco mas, devido sua dificuldade em andar, não conseguia e eu, como filha, acabava cedendo. Não antes de negociarmos o valor.
Paralelo a tudo isso, minha mãe estava com dificuldades para dormir. A noite a assustava muito e, parece que o medo da morte é maior do que o sono, ficando muito agitada. Tal agitação fazia com que ela ao se deitar, ficasse se revisando na cama. Queria levantar e voltava para a sala. Isso não acontecia uma vez e sim várias. As vezes passavam-se duas horas nesse ir e vir. Era um tal de ir para a sala, da sala para o quarto, do quarto para a sala, de novo para o quarto, deitando no sofá, voltando pra cama, até ficar cansada e o remédio fazer seu efeito, vencendo-a.
Outros dias, acaba dormindo praticamente o dia todo, sem medicação.
Ficando sonolenta, mole, sem animo para nada. Só querendo cama.
Uma rotina que se parece com um ciclo interrupto.
Então, dezembro chega ao seu final e um ano novo começa.Nunca chorei tanto na noite de ano novo, na varanda de minha casa, vendo os fogos, a alegria dos outros. Eu me sentia a vítima. O mundo todo comemorando e eu sozinha, triste, desesperada, cansada, derrotada. Mamãe dormiu esta noite.
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